A Justiça determinou que o governo federal religue e mantenha “em pleno funcionamento” os radares das rodovias federais que foram desligados por falta de verba — uma decisão que mistura bom senso jurídico com a obrigação básica do Estado: proteger vidas. A 5ª Vara Federal em Brasília, pela juíza Diana Wanderlei, deu prazo curto e duro: 24 horas para que o DNIT comunique as concessionárias para religarem os equipamentos, sob pena de multa diária de R$ 50 mil por empresa e pelo próprio DNIT. O episódio expõe, mais uma vez, o jogo de cena político que acaba custando vidas nas estradas.
Decisão e medidas
O DNIT precisava de R$ 364 milhões para manter os radares em 2025, mas o orçamento destinou apenas R$ 43,3 milhões — resultado: cerca de 4 mil pontos em 45 mil quilômetros de rodovias federais sem fiscalização eletrônica. A ação pública que levou à decisão começou em 2019, quando Jair Bolsonaro anunciou o desligamento dos radares; na ocasião houve acordo para manter os aparelhos em trechos com índices médios a altíssimos de criticidade. Agora, em ato de puro cinismo administrativo, recursos não foram alocados e a segurança viária foi jogada no ralo.
“É inconteste que o não adimplemento dos contratos e a ausência de prestação do serviço atingem diretamente o interesse primário da sociedade pela segurança.” — Diana Wanderlei.
“Para surpresa deste juízo, o atual governo federal, grupo que, à época da retirada dos radares nas rodovias federais foi um dos grandes críticos daquela medida […], agora age de forma oposta, o que soa como contradição e retrocesso na proteção social, no cuidado com as pessoas.” — Diana Wanderlei.
Não se trata apenas de radares: trata-se de quem decide proteger a vida ou proteger o bolso do Estado. A juíza foi clara ao determinar que o DNIT informe, em 72 horas, as consequências do “apagão” e o valor exato necessário para honrar o Acordo Nacional dos Radares; e que a União apresente, em cinco dias, seu planejamento orçamentário para pagar os investimentos já realizados. Em tradução: não adianta discurso moralizante se não tem dinheiro para cumprir o mínimo que salva vidas.
O raciocínio judicial também desmonta a hipocrisia fiscal: o dinheiro das multas não vai para quem opera os radares, mas para o caixa da União, e a juíza aponta que a arrecadação com multas supera os custos desses equipamentos em cerca de três vezes. Ou seja, abrir mão dos radares é perder receita e aumentar a morte no trânsito — um duplo prejuízo. Privatizar segurança viária e deixar as estradas virarem campo de testes para a imprudência é crime político.
Quem acionou a Justiça em 2019 foi o senador Fabiano Contarato (PT-ES), e é simbólico que a defesa da fiscalização eletrônica tenha nascido no campo progressista enquanto a direita faz espetáculo anticientífico e antissocial. Se a direita desmonta instituições, sabota serviços públicos e ataca estatais, cabe à esquerda — e ao Estado forte — recompor essas defesas. Lula e o PT, nesse cenário, não são apenas alternativas eleitorais: são peças centrais na disputa por um projeto que priorize o bem comum sobre o lucro fácil dos poderosos.
O governo federal e a AGU foram intimados, e a juíza ainda determinou a intimação pessoal do ministro da Casa Civil, Rui Costa, para tentar uma solução consensual. Há ali uma pressão institucional para que recursos sejam remanejados — e que se veja, de uma vez, que negligenciar segurança viária em nome de “ajustes” é uma escolha política, não uma inevitabilidade técnica.
O recado final é simples: não vamos aceitar retrocessos que custam vidas. A decisão judicial é uma vitória momentânea, mas revela a necessidade de um projeto público que proteja as pessoas, que mantenha e amplie estatais e serviços essenciais, e que confronte a lógica privatista e austera que mata por omissão. Defender radares é defender vidas; defender vidas é fazer política de verdade.