A instalação da CPMI que vai investigar o rombo no INSS começou com tudo o que a política brasileira tem de mais cínico: manobra, alinhamento com bolsonaristas e uma aposta clara de parte do Congresso em transformar investigação em espetáculo político para atacar o governo Lula. A oposição comemorou uma vitória técnica ao eleger Carlos Viana presidente, derrubando a indicação inicial de Davi Alcolumbre — mas o que deveria ser uma apuração séria corre o risco de virar mais um palanque para os mesmos interesses que desde 2016 buscaram destruir estatais e desmontar a Previdência.
A escolha e as manobras
Sem acordo, a eleição para presidente ocorreu em cabine de votação e terminou 17 a 14 a favor de Carlos Viana (Podemos-MG). Logo depois, Viana rejeitou a indicação do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para relator e nomeou o deputado Alfredo Gaspar (União-AL) — um parlamentar alinhado aos bolsonaristas e que já foi relator de benefícios a apaniguados do clã de direita. Querem investigar fraudes no INSS com quem ajudou a proteger quem tentou golpear a democracia? É escárnio.
A justificativa oficial? “Escolhi Gaspar com base em sua ‘grande experiência curricular’. Conversamos bastante sobre o desafio desta CPMI. Tenho certeza que vai fazer um grande trabalho” — Carlos Viana. Alguém ainda acredita nesse teatro de boa-fé? A escolha do relator define o tom de qualquer comissão: pode abrir espaço para transparência — ou blindar aliados, desviar o foco e transformar denúncias graves em caça a petistas.
O que está em jogo
A CPI foi criada para aprofundar as investigações da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União sobre desvios em benefícios do INSS, esquema que, segundo apuração, pode ter desviado até R$ 6,3 bilhões. Investigações apontam para descontos associativos cobrados indevidamente de beneficiários, cadastros forjados e entidades que não tinham capacidade operacional para prestar qualquer serviço. Roubarem dos aposentados e das pensionistas é um crime político e moral — não um detalhe burocrático.
A oposição tenta transformar a investigação em instrumento para desgastar o governo Lula, mirando inclusive o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), que tem ligação com Frei Chico, irmão do presidente. A pergunta é óbvia: será que a CPI vai mirar os verdadeiros ladrões e as redes de empresas e entidades que lucraram às custas de idosos, ou vai virar palco para revanchismo e para blindar aliados da extrema-direita? Não nos iludamos: com relatoria nas mãos de um bolsonarista, o risco de obstrução é real.
A composição da comissão é paritária: 32 parlamentares titulares, 16 deputados e 16 senadores, com PT e PL tendo quatro vagas cada. Entre os nomes do Senado aparecem figuras como Renan Calheiros e Omar Aziz; na Câmara, deputados como Paulo Pimenta (PT) e Alfredo Gaspar. A complexa geografia política da CPI mostra que investigação de interesse público pode ser sequestrada por interesses partidários e empresariais — especialmente quando parte relevante do Congresso já demonstrou disposição em atacar estatais e abrir mão do papel regulador do Estado.
Precisamos insistir: a luta contra fraudes no INSS não pode ser instrumentalizada. Quem quer usar essa investigação para desancar o governo e proteger operadores de esquemas deve ser exposto. Ao mesmo tempo, não aceitamos que acusações contra entidades e sindicatos sirvam de pretexto para campanhas antiestatais e privatistas.
Se o objetivo é realmente apurar e devolver recursos às vítimas, a CPI precisa trabalhar com independência, transparência e com zelo pelas provas — não com espetáculo, blindagem e retórica de ódio. E a esquerda, o movimento sindical e a sociedade democrática devem fiscalizar cada passo: porque quem rouba do povo merece investigação dura, e quem tenta transformar essa luta em arma política merece ser enfrentado.