O governo anunciou novos prazos para a entrada em vigor de funcionalidades importantes do Crédito do Trabalhador — a polêmica modalidade de consignado para o setor privado criada pelo governo Lula. Os anúncios mostram avanço, mas também protelações e atitudes conciliatórias com o sistema financeiro que merecem atenção crítica: afinal, quem sai ganhando quando o Estado abre espaço para que bancos lucrem em cima do salário dos trabalhadores?
Migração, portabilidade e garantias: o cronograma
Desde 21 de agosto começou a migração de mais de quatro milhões de contratos antigos (feitos sob regras anteriores a março) para o novo formato do Crédito do Trabalhador — são mais de R$ 40 bilhões em jogo. O governo diz que esse processo só será concluído em novembro. A partir daí, os trabalhadores poderão optar pela portabilidade para instituições que ofereçam taxas mais vantajosas.
Na prática, a partir do dia 25 teve início o refinanciamento e a portabilidade para contratos gerados dentro da própria plataforma do Crédito do Trabalhador, mas essa operação precisa ser feita diretamente nos bancos. A Dataprev, administradora da plataforma, avisou que a portabilidade dentro da Carteira de Trabalho Digital para contratos feitos depois de março só começa em outubro. Finalmente, a garantia de até 10% do FGTS para operações de crédito — mais 40% da multa de demissão por justa causa — só passa a vigorar em novembro, depois de regulamentação. Atualmente, 70 instituições já estão habilitadas para operar a modalidade.
Não é hora de comemorar como se tudo já estivesse resolvido. Esse passo-a-passo é positivo na forma, mas revela que o Estado segue andando no compasso dos bancos, postergando regras que poderiam proteger trabalhadores agora.
Volume, juros e a ilusão da autorregulação
O consignado para o setor privado, aberto depois de 21 de março, já soma mais de R$ 30 bilhões e atinge cerca de 4,2 milhões de trabalhadores. Segundo o Banco Central, a taxa média dessa linha foi de 3,79% ao mês em junho — ainda o dobro do consignado para aposentados (1,83%) e servidores (1,84%). Para compor o cenário: crédito pessoal não consignado 6,32% ao mês; cheque especial 7,47%; cartão rotativo 15,11%.
O Banco Central publicou um ranking com taxas entre 1,47% e 6,1% ao mês (base 24 a 30 de julho), mas atenção: as taxas médias não são garantia do juro final para cada trabalhador — bancos farão análise de risco e podem variar muito o que cobram. A recomendação óbvia de especialistas é que o trabalhador pesquise no aplicativo da Carteira de Trabalho Digital antes de fechar negócio e promova concorrência entre instituições. Claro, pesquisar é bom — mas contar com a boa vontade do mercado é ingenuidade!
“Caso seja observado que o sistema financeiro esteja abusando, o governo poderá estabelecer teto de juros no futuro.” — Luiz Marinho, ministro do Trabalho. Palavras que soam como aviso, mas sem compromisso imediato. A Febraban já bate o pé: não precisa de teto — afinal, segundo os bancos, a garantia do FGTS resolverá tudo. Como se garantir o lucro privado fosse gesto de caridade!
O povo precisa controlar a ganância dos bancos, não pedir licença a ela. Se queremos crédito justo, não dá para confiar na autorregulação: é preciso regulação firme, teto de juros quando necessário e forte presença das estatais e dos bancos públicos como alternativa real ao setor privado.
O avanço técnico do Crédito do Trabalhador — portabilidade, migração e uso do FGTS como garantia — pode representar um alívio se vier acompanhado de mecanismos que limitem juros e protejam os mais vulneráveis. Caso contrário, o que se vê é o Estado abrindo caminho para que o capital financeiro explore salário a salário. Lula e o PT têm a responsabilidade histórica de usar esse instrumento para ampliar direitos, fortalecer o setor público e enfrentar os lucros abusivos. Trabalhadores: pesquisem, concorram entre ofertas, mas exijam do governo medidas efetivas para que o consignado seja ferramenta de cidadania, não armadilha para endividamento.