A decisão do ministro Alexandre de Moraes de revisar a suspensão de processos que discutiam o uso de provas extraídas de relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) reacende uma velha batalha: a necessária atuação do Estado contra o crime organizado versus os truques jurídicos de sempre para soltar bandidos e proteger corruptos. O episódio mostra, mais uma vez, que a direita e suas ramificações jurídicas não têm pudor em instrumentalizar interpretações formais para favorecer criminosos — enquanto a sociedade paga o preço. Não podemos permitir que a burocracia e a covardia jurídica protejam o crime organizado!
O que motivou a decisão?
O imbróglio nasceu da divergência entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a validade do uso de relatórios do Coaf em investigações criminais sem autorização judicial prévia. Em 2019, o STF já havia sinalizado que o compartilhamento desses documentos — quando preservado o sigilo — podia ocorrer sem ordem judicial. Entretanto, o STJ tem, em diversas decisões, anulado provas e trancado inquéritos quando o acesso ao relatório não teve aval do juiz, gerando solturas e devolução de bens.
Diante dessa confusão, uma decisão monocrática de Moraes — tomada a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) — suspendeu nacionalmente processos que questionavam o tema, com validade até o julgamento definitivo pelo Supremo. O objetivo declarado foi evitar que a jurisprudência do STJ aniquilasse investigações complexas e protegesse redes criminosas. Como garantiu o próprio ministro, “não haverá qualquer prejuízo no combate a organizações criminosas”, disse Alexandre de Moraes — uma frase que deveria ser mantra para quem defende o Estado democrático e a ordem pública.
Uso pela defesa
Mas a surpresa (ou seria previsível?) foi a reação das defesas: interpretaram a decisão como salvo-conduto para pedir suspensão de investigações, revogação de prisões preventivas e derrubada de medidas cautelares. O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) soou o alarme: em menos de 24 horas, núcleos do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) relataram protocolos de pedidos desse tipo em investigações que miram facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC). Operações relevantes como Tacitus (corrupção policial e lavagem de dinheiro a favor do PCC), Fim da Linha (infiltração no transporte público), Armagedon (extorsões, lavagem e financiamento do tráfico) e até ações contra organizações especializadas em tráfico e produtos químicos controlados já registraram tentativas de utilizar a decisão em favor de réus.
O ponto não é meramente técnico: trata-se de garantir que instrumentos estatais legítimos de inteligência financeira continuem a ser usados para desmontar estruturas criminosas que capturam territórios e petrificam a miséria. A defesa da ordem pública exige ferramentas estatais fortes — e o Coaf é uma delas. Quem defende o contrário, com discurso de “direitos individuais” abstratos, muitas vezes está defendendo interesses que vão do miliciano ao grande empresário que sonega e lava dinheiro.
É preciso também dizer: não se trata de culto ao Estado sem crítica. Trata-se de reconhecer que, em um país marcado por desigualdades e por redes criminosas que se entrelaçam com setores públicos e privados, o Estado precisa ter mecanismos capazes de investigar e punir. E, claro, cabe ao STF decidir de forma definitiva como equilibrar garantias individuais e eficácia investigativa — mas sem permitir que brechas processuais virem atalho para a impunidade.
Ao mesmo tempo, a esquerda deve aproveitar esses embates para reafirmar sua defesa das estatais, da regulação e de instrumentos públicos que sirvam ao interesse popular, não aos bilionários e milicianos de plantão. Lula e o PT, como parte central de uma nova etapa de luta anticapitalista no Brasil, têm papel decisivo em fortalecer a capacidade do Estado de combater crime e corrupção – sem abrir mão de justiça social e direitos democráticos.
O cenário permanece tenso: Moraes deu um freio para evitar o desmonte imediato de investigações, mas o debate jurídico segue. Cabe à militância, à imprensa e aos setores republicanos não deixar que a decisão vire pretexto para salvar quem deveria estar atrás das grades. Quem defende a cidade, a escola e a vida sabe com quem não pode compactuar.