A CPMI que estreia nesta terça-feira (26) chega carregada de papelada, bombas e contradições: são 910 requerimentos protocolados para investigar as fraudes no INSS — um rombo que a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União estimaram em até R$ 6,3 bilhões. Enquanto a direita ensaia espetáculo e tenta transformar investigação em circo político, o que está em jogo é a vida de aposentados e pensionistas saqueada por esquemas que floresceram durante o governo passado. Essa CPMI não é jogo de cena: há bilhões em desvios apontados pela PF e pela CGU.
Pedidos e alvos
A maioria dos requerimentos mira pessoas ligadas ao caso: convocações, quebras de sigilo bancário e telemático, e pedidos de relatórios de inteligência financeira ao Coaf. Dois deputados do PT — Rogério Correia (PT-MG) e Alencar Santana (PT-SP) — chegaram a pedir a convocação de Jair Bolsonaro; caso aprovada, a presença é obrigatória. Do outro lado, a senadora Damares Alves protocolou convites para Dilma, Temer e Lula — participação facultativa, obviamente. A tentativa de acerto de contas midiático da extrema-direita é óbvia, mas não nos enganemos: a investigação precisa atingir toda a cadeia, incluindo aqueles que lucraram com a privatização do cuidado social.
Entre os alvos mais citados estão Antônio Carlos Camilo Antunes, o chamado “careca do INSS”, com 15 solicitações de oitiva; Ahmed Mohamad Oliveira Andrade (também conhecido como José Carlos Oliveira), ex-presidente do INSS e ex-ministro do Trabalho, com 13 pedidos; e Alessandro Stefanutto, com 12. O ex-ministro Carlos Lupi acumula 11 convocações, além de pedidos de quebra de sigilo bancário e telemático. O atual ministro Wolney Queiroz recebeu oito pedidos de depoimento. No total há 420 convocações e 59 convites, 178 pedidos de quebra de sigilo (147 bancários) e 172 solicitações de RIF ao Coaf — nenhum desses pedidos de RIF partiu da base do governo.
Grande parte dos requerimentos saiu do Senado (65%), e 75% dos pedidos foram assinados por parlamentares de oposição. Curioso? Não: quando a tática é desgastar o governo Lula, a direita se aglutina. Mas quem pensa que isso significa leniência do governo com a apuração se engana. O relator, Alfredo Gaspar (União-AL), já sinalizou a possibilidade de ampliar o escopo para fraudes em empréstimos consignados — pista que pode levar a nós mais responsáveis e redes de corrupção bem maiores.
“Quem está aqui é um presidente eleito que quer esclarecer o que aconteceu, pedir a punição dos culpados e, principalmente, gerar novos projetos e políticas que não permitam a repetição de um momento tão vergonhoso para o Brasil como o desvio de dinheiro de aposentados e pensionistas”, disse Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da comissão, tentando dar tom de neutralidade ao processo. Neutralidade que, convenhamos, não combina com a defesa de direitos roubados.
Quem vai comandar a oposição na mesa?
Além do fogo cruzado sobre os convocados, a CPMI precisa escolher vice-presidente — posto adiado por manobra do presidente Carlos Viana. A oposição tenta emplacar Marcel van Hatten (Novo-RS), o que transformaria a mesa em reduto anti-governo; a base sugere Duarte Jr. (PSB-MA), nome mais palatável. A disputa é estratégica: quem presidir a comissão pode controlar o rumo e a exposição dos trabalhos.
Se a comissão for séria, não se limitará a troféus políticos, mas a provas: quebras de sigilo, RIFs e depoimentos precisam se transformar em responsabilizações efetivas. Se a comissão for séria, vai apontar culpados e fortalecer a luta por estatais e serviços públicos dignos — é disso que o povo precisa. Não queremos espetáculo; queremos resultados: devolver o que foi roubado, punir quem desviou e construir mecanismos para que isso nunca mais se repita.
A CPI será palco de disputa, claro — a direita tenta transformar investigação em palanque; nós, do campo popular, devemos transformar a CPMI em instrumento de justiça social. Que venham as provas. Que caia quem de direito. E que desta investigação saia uma lição clara: privatização e terceirização são terreno fértil para o roubo das políticas públicas. O povo não aceita menos do que a apuração completa e a reparação dos danos.