A articulação que levou a oposição a escolher um nome da base governista para a vice-presidência da CPI mista do INSS é sintomática do momento político: muito barulho, pouca coerência e uma habilidade impressionante de transformar o debate público em balcão de negociação. Nesta terça-feira (26), a sessão simbólica confirmou Duarte Jr. (PSB-MA) no posto, fruto de um acordo costurado em cima da hora — e do recuo do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) em tentar a vaga. O episódio mostra que, enquanto a direita tenta se recompor e plantar cortinas de fumaça, há ainda espaço para respostas organizadas do campo democrático e popular, mas também para perigos de conchavos que só beneficiam poderosos e burocratas.
A manobra e o cenário
A escolha de Duarte Jr. ocorre depois da confusão da semana anterior, quando uma articulação que se estendeu madrugada adentro colocou aliados de oposicionistas do governo Lula no comando do colegiado: Carlos Viana venceu a indicação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para presidir a CPI do INSS, e em seguida escolheu o deputado Alfredo Gaspar (União-AL) como relator, recusando outra indicação. É um tabuleiro em que as peças trocam de lado constantemente — e em que a sociedade, especialmente os aposentados, corre o risco de ser deixada de fora das prioridades reais da investigação.
Eleito vice, Duarte Jr. apelou ao discurso da neutralidade: “Temos um lado: o lado dos aposentados. Vamos nos dedicar ao máximo para garantir que esses aposentados tenham os valores, que foram roubados, devolvidos” — palavras que soam bem no papel e que precisam ser cobradas na prática. Precisamos fiscalizar cada passo, cada convite e cada omissão dessa CPI para que ela não vire teatro para limpar a imagem de quem deveria ser culpado. Todo cuidado é pouco: fiscalizar o passado não pode servir para blindar o presente.
As investigações que motivaram a CPI não são teoria: Polícia Federal e Controladoria-Geral da União estimam fraudes em benefícios do INSS em até R$ 6,3 bilhões. O esquema apontado envolve descontos mensais não autorizados e cadastros forjados por entidades que não tinham capacidade de prestar serviços aos aposentados e pensionistas. Ou seja, crime contra quem já contribuiu uma vida inteira — e um crime que exige respostas duras e transparência total, não acordos de bastidores.
Nos próximos dias o colegiado deve aprovar os primeiros requerimentos e apresentar um cronograma de trabalho. Entre as pautas já anunciadas estão pedidos de convocação de quatro ex-ministros da Previdência e dez ex-presidentes do INSS — algo que pode colocar luz sobre responsabilidades políticas e administrativas. Se a CPI cumprir seu papel, serão dias de incômodo para velhas raposas que se beneficiaram da privatização da gestão social e do desmonte administrativo promovido por quem pensa que serviço público é mercado para amigos.
É preciso que a esquerda e a sociedade organizada não se iludam com gestos de cordialidade entre adversários políticos: a disputa pela verdade e pela reparação aos aposentados exige pressão nas ruas e no parlamento. Não é hora para condescendências com candidatos que trocam votos por posições ou para permitir que a investigação seja usada como palanque. Devemos empurrar a investigação para um fim real — punição aos responsáveis e recomposição imediata dos valores descontados.
Não aceitaremos que a CPI vire espetáculo para blindar interesses privados! Este é um teste para quem se diz amigo dos trabalhadores: vai provar compromisso com os aposentados ou vai repetir as desculpas de sempre enquanto a direita e seus aliados de ocasião tentam transformar denúncias em mercado de influência? A vigilância popular e a pressão dos movimentos sociais têm de acompanhar cada audiência — para que a defesa dos direitos previdenciários seja prioridade e para que ninguém, sob pretexto de “neutralidade”, finja que está ao lado dos vulneráveis quando na prática protege privilégios.