A decisão da Receita Federal de apertar o cerco às fintechs acendeu um alerta em Brasília — e deveria acender também nas ruas. Essas empresas tecnológicas que operam serviços financeiros cresceram numa regulação frouxa, transformando-se em espaços opacos onde interesses privados e políticos muitas vezes se entrelaçam. Agora, ao serem obrigadas a obedecer às mesmas regras de monitoramento dos bancos, a máscara começa a cair.
O recado veio a caráter: uma força-tarefa, envolvendo o Ministério Público de São Paulo, o Ministério Público Federal e as polícias Federal, Civil e Militar, cumpriu mandados em dez estados contra uma rede ligada ao PCC que adulterava combustíveis e lavava dinheiro usando fintechs. Os alvos são investigados por fraudes fiscais, ambientais e econômicas. Ou seja: criminosos de colarinhos — e de farda? — se aproveitaram da regulação frouxa para movimentar fortunas às escondidas. As fintechs viraram um paraíso para quem queria esconder aplicações financeiras. O mecanismo de anonimato e contas com pouca exigência de identificação facilitou a ação de organizações criminosas e, ao que tudo indica, também abriu espaço para interesses políticos escusos.
Mesma regra dos bancos
A mudança normativa exige que fintechs enviem à Receita informações sobre movimentações atípicas de clientes, igualzinho ao que já faz o setor bancário. Não é exagero: era praticamente um convite ao sigilo seletivo. A norma antiga permitia, na prática, que certas contas não revelassem nomes e valores às autoridades — um luxo para quem tinha algo a esconder. Agora esses mecanismos de sigilo têm os dias contados.
“As fintechs eram um paraíso para quem queria esconder suas aplicações financeiras. Agora, isso vai acabar e revelar quem está atuando de forma irregular nessas empresas”, disse um assessor envolvido nas investigações. A fala é direta e explica por que certos segmentos do Congresso sempre levantaram a bandeira de defesa dessas instituições: não necessariamente por convicção liberal, mas por conta de interesses financeiros pessoais e de aliados.
Não é coincidência que, nas últimas semanas, aliados e operadores de direita tenham tentado reavivar a farsa do PIX para sabotar medidas que aumentassem a fiscalização sobre as fintechs. Lembram da campanha histérica que alegava que o governo queria “tributar o PIX”? Um escândalo midiático fabricado para provocar pânico e forçar um recuo. Hoje está claro que parte daquela ofensiva visava a blindagem de mecanismos financeiros opacos. Acreditar em coincidências seria ingenuidade ou hipocrisia: muita gente com poder e dinheiro preferia manter o sistema escondido.
Do outro lado, figuras do campo progressista empurram a investigação para frente. “Vamos seguir o dinheiro”, disse Haddad sobre a lavagem de dinheiro por meio de fintechs. Isso precisa ser levado a cabo com rigor, porque o que está em jogo não é só economia: é soberania, é o combate aos corruptores e aos corruptos que corroem políticas públicas e Estado. E nós, que defendemos as estatais e o controle público sobre setores estratégicos, sabemos que privatizações e desregulação só favorecem bilionários e milícias financeiras.
As ligações entre políticos e fintechs não implicam automaticamente em crimes — dizem os investigadores —, mas revelam um padrão perigoso: lideranças que apoiam a desregulamentação muitas vezes têm aplicativos financeiros nessas instituições com alto rendimento, o que ajuda a explicar tanta zelo político. Esse nó precisa ser desatado. Precisamos de transparência total e punição exemplar quando houver crime.
A ofensiva da Receita e das forças de investigação é uma boa notícia para quem quer um Brasil menos dependente das manobras da direita e de seus atores econômicos. Não basta apenas punir crimes: é preciso fortalecer o controle público, proteger estatais e garantir que o crédito e o sistema financeiro sirvam ao povo, não à banca privada que lucra com a sombra.
O ataque democrático às zonas cinzentas do dinheiro não pode ser desmontado por campanhas de desinformação ou por políticos que se acham acima da lei. Seguiremos cobrando transparência, investigação e reforma estrutural do sistema financeiro — porque sem isso não há democracia que aguente. Quem pensa que vai esconder fortuna em contas opacas tem pela frente uma nova era de fiscalização. Lutar por isso é derrubar privilégios e colocar o país a serviço da maioria.