A menina Heloísa dos Santos Silva, de apenas 3 anos, morreu depois de nove dias internada — vítima de um tiro disparado por um agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante uma abordagem no Arco Metropolitano, em Seropédica, no Rio de Janeiro. A corregedoria da PRF recomendou a demissão do policial Fabiano Menacho Ferreira, apontado como responsável pelo disparo; o Ministério da Justiça agora decide se acata ou engaveta mais um caso que expõe a lógica letal de forças armadas e milicianas que se espalharam no país. A vida de uma criança ceifada por balas do aparelho estatal é a prova amarga do que se tornou o “controle” que nos vendem como segurança.
O episódio, de setembro de 2023, gerou comoção nacional e perguntas que não podem ser varridas para debaixo do tapete: por que agentes federais atiram contra um carro sem, ao que tudo indica, qualquer tentativa de abordagem prévia? Segundo relatos, os policiais alegaram que perseguiram o veículo após checar a placa e identificar um suposto registro de roubo, e disseram que reagiram a ruídos de tiros vindos em sua direção. Mas quem ouviu a versão das testemunhas aponta para outra narrativa. “Não ouvi nenhum disparo antes dos tiros dos policiais, e o carro da família não tentou fugir.” — testemunha presente no local. E, embora a PRF tenha defendido seus agentes, as imagens que circularam mostrando um policial entrando à paisana no hospital onde Heloísa estava internada só aprofundam a sensação de encobrimento e intimidação.
A corregedoria recomendou a demissão do policial identificado como autor do tiro, mas os outros dois envolvidos não receberam a mesma penalidade administrativa. A diferença entre recomendação e punição efetiva é o espaço onde a impunidade floresce. O Ministério da Justiça não tem prazo para responder à recomendação; mais uma vez, a burocracia do Estado funciona como escudo para evitar que a máquina repressiva responda pelos crimes que comete.
Policiais são réus
Os três agentes da PRF já viraram réus pela morte de Heloísa, após o Ministério Público Federal (MPF) denunciar o caso em dezembro de 2023. Para o MPF, a versão apresentada pelos policiais desaba diante dos fatos: não havia qualquer restrição ao veículo nos registros do Departamento Nacional de Trânsito (Detran), e os agentes não teriam feito qualquer tentativa de abordagem antes de abrir fogo. “Os agentes da PRF não abordaram o veículo da família antes de fazer os disparos”, afirma o MPF na denúncia. O pai da menina também deixou claro, em depoimento, que não houve sinalização para que parasse: “Os policiais não sinalizaram para que eu parasse.”
Além do inquérito criminal e da sindicância administrativa, outro episódio que levantou suspeitas foi a presença de um policial à paisana no hospital onde Heloísa agonizava — cena que, se fosse em telenovela, seria acusada de excesso de roteiro, mas que aqui é rotina na vida real de quem enfrenta o aparato coercitivo do Estado sem garantias. É preciso lembrar: essas instituições foram rearmadas, fortalecidas e muitas vezes pusilânimes diante de abusos durante o bolsonarismo; a naturalização da violência policial tem responsáveis políticos, e não é mera fatalidade.
É hora de transformar indignação em ação organizada. Não basta punir individualmente quando a cultura institucional permanece intacta. Exigimos demissão, responsabilização criminal efetiva e mudanças estruturais: controle civil, desmilitarização das corporações, transparência total nas investigações e a revogação das normativas que incentivam o uso letal da força. E enquanto a direita e seus cúmplices midiáticos tentam minimizar e justificar o injustificável, nós — militantes, trabalhadores, e quem não aceita a barbárie — precisamos pressionar o Estado para que cumpra sua função de proteger a vida, não de ceifá-la. O PT e o campo popular têm papel decisivo nessa encruzilhada: não basta reeleger ou administrar; é preciso avançar numa agenda que desmonte o poder paralelo e reconfigure verdadeiramente a segurança pública a serviço do povo. Justiça para Heloísa — e uma transformação real do aparato de repressão neste país.