Luis Fernando Veríssimo nos deixou aos 88 anos, na madrugada deste sábado, em Porto Alegre. A notícia que sempre parece distante — de que alguém que nos fez rir, pensar e olhar com ironia para nossas contradições se foi — chega pesada. Perde o país um dos cronistas mais certeiros do século XX e início do XXI, um autor que transformou o cotidiano em instrumento de crítica e sorriso cortante contra o autoritarismo.
Vida, humor e resistência
Veríssimo estava internado na UTI do Hospital Moinhos de Vento desde 11 de agosto e morreu em decorrência de complicações de uma pneumonia. Sofreu com Parkinson, teve problemas cardíacos — em 2016 implantou um marcapasso — e em 2021 enfrentou um AVC que deixou sequelas motoras e de comunicação. Ainda assim, pagou caro com a saúde, sem perder a lucidez do estilo. Nasceu em 26 de setembro de 1936, em Porto Alegre, filho do gigante Érico Veríssimo. Aprendeu cedo que as palavras podem seduzir e ferir; aos 16 foi para os Estados Unidos, aprendeu a tocar sax e guardou a música como companheira até o fim.
Autor de mais de 70 livros e com mais de 5,6 milhões de exemplares vendidos, Veríssimo criou personagens que entraram para o imaginário nacional: Ed Mort, o Analista de Bagé, a velhinha de Taubaté. Trabalhou como revisor e jornalista em Zero Hora, assinou colunas em O Estado de S. Paulo, O Globo e Zero Hora, e levou seu humor às telas com a Comédia da Vida Privada. Foi com a ironia que ele feriu o autoritarismo e desnudou a hipocrisia das elites. Veríssimo nos ensinou que rir pode ser arma política — e arma de resistência.
“Luis Fernando Veríssimo, um dos maiores nomes de nossa literatura e nosso jornalismo, nos deixou hoje aos 88 anos de idade. Dono de múltiplos talentos, cultivou inúmeros leitores em todo o Brasil com suas crônicas, contos, quadrinhos e romances. Criou personagens inesquecíveis, a exemplo do Analista de Bagé, As Cobras e Ed Mort. Sua descrição bem-humorada da sociedade ganhou espaço nas livrarias e na TV, com a Comédia da Vida Privada. E, como poucos, soube usar a ironia para denunciar a ditadura e o autoritarismo; e defender a democracia. Eu e Janja deixamos o nosso carinho e solidariedade à viúva Lúcia Veríssimo – e a todos os seus familiares.” — Luiz Inácio Lula da Silva
A declaração de Lula não chega por acaso: Veríssimo foi daqueles escritores que facilitavam a compreensão do que chamamos de vida política e social. E foi capaz de fazê-lo com graça, sem perder a contundência. Sua escrita completava o protesto que as ruas pediam quando as palavras de ordem eram censura, opressão ou retrocesso. Por isso, para quem luta contra a direita que cultiva nostalgia de ditadura e abraça o autoritarismo, a obra de Veríssimo é recurso e remédio.
O autor foi casado por mais de 50 anos com Lúcia Veríssimo, com quem teve três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro. A família sinalizou o desgaste físico que o tempo e as doenças impuseram, mas também a vida longa de um homem que viveu intensamente entre a música, o jornalismo e a literatura.
Se a direita teme algo, certamente teme o riso que desmonta as suas falácias e a capacidade crítica que Veríssimo alimentou nas novas gerações. Seu legado não é apenas literário: é político. É preciso retomá-lo, lê-lo e relê-lo como ferramenta de formação de um povo que não se deixa embalar por demagogias.
Que a lembrança de Veríssimo inspire resistência — a mesma resistência que queremos ver fortalecida na política, nas estatais, na cultura e nas ruas. A obra dele continua ali, pronta para nos lembrar que a inteligência e a ironia são armas poderosas contra a mentira e a opressão.