No primeiro dia do julgamento da chamada trama golpista, as defesas fizeram um movimento curioso — quase um reconhecimento com saída de emergência: admitir que houve atos antidemocráticos, mas negar que seus clientes tenham participado diretamente. É a velha cartilha da direita: aceitar o caldo, sacar do discurso técnico e tentar salvar quem interessa. Enquanto isso, a sociedade exige responsabilização, e a verdade histórica não se apaga por reclamações processuais!
Estratégia processual
Os advogados concentraram o fogo em dois pontos bem técnicos, daqueles que a direita adora transformar em cortina de fumaça. Primeiro, atacaram a delação premiada de Mauro Cid, principal delator e ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, alegando vícios na voluntariedade do acordo. Em bloco, as defesas repetiram: “essa delação deu problema e não pode ser usada”, buscando anular uma peça-chave da investigação. A única exceção foi a defesa do próprio Cid, que reafirmou a validade do acordo.
Outro ponto batido foi o acesso ao material produzido pela investigação: os advogados disseram que houve demora na remessa de provas às partes, o que, segundo eles, teria prejudicado a formação da convicção dos ministros. Traduzindo para o português claro: se não conseguem ganhar no mérito, tentam ganhar no molde processual. Não é por tecnicismo que se apaga um golpe!
No mérito
No campo do mérito, a tática foi ainda mais pragmática — e, francamente, desavergonhada. Ninguém tentou negar o que já está documentalmente assentado: houve tentativa de golpe de Estado. Como lembraram os defensores, faz pouco sentido contestar fatos que a Primeira Turma do STF já reconheceu em condenações anteriores por crimes relacionados à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e dano qualificado durante os mesmos episódios. Ou seja: a narrativa da negação absoluta não cola mais nem para os tribunais.
O que se viu, então, foi uma guinada estratégica: aceitar o “contexto” mas dissociar os clientes do núcleo das decisões golpistas. É a velha manobra de separar a engrenagem das mãos que a giraram. E enquanto o dispositivo jurídico tenta criar fissuras, o país precisa lembrar que responsabilizar os responsáveis é essencial para não normalizar a violência política.
Distinção individual
A principal vocação da defesa foi, portanto, personalizar a culpa — mostrar que cada réu teve uma conduta diferente e que a vinculação ao plano golpista não estaria comprovada no caso concreto. “Esse é o papel da defesa: reforçar o comportamento individual e afastar a vinculação ao golpe”, disse um dos advogados durante as sustentações. É legítimo o direito de defesa, mas é preciso fiscalizar quando esse direito vira escudo para proteger poderosos e capitães do autoritarismo.
Ao longo do julgamento, nomes como Alexandre Ramagem (deputado e ex-diretor da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e Anderson Torres (ex-ministro da Justiça) viram suas defesas adotarem a mesma coreografia: reconhecer o cenário amplo e tentar se dissociar do núcleo duro do crime. Estratégia que lembra a do bolsonarismo: admitir o estrago, negar a autoria. Não podemos aceitar que a responsabilidade política e criminal seja vendida a crédito para os executores do golpe!
O acompanhamento técnico do caso — com juristas convidados para explicar termos e divergências — não pode ser usado como álibi para protelar o julgamento político e moral que a sociedade pede. A direita tenta, mais uma vez, escapar por entre os procedimentos; nós, da militância democrática, temos o dever de pressionar pela verdade e pela punição dos que atentaram contra a República.
No fim das contas, o primeiro dia deixou claro o tabuleiro: o golpe existe, as provas não são um delírio, e o que se discute agora é quem responderá pessoalmente por ele. Pergunta que fica no ar — e que exige vigilância popular: vamos permitir que tecnicalidades protejam cúmplices ou faremos valer a justiça democrática?