A abertura do Supremo não é só um golpe de ordem judicial: é o começo do fim do projeto familista que tentou transformar o país num balcão de negócios e impunidade. Enquanto Alexandre de Moraes bate o martelo e avança no inquérito contra Eduardo Bolsonaro por tentativa de obstrução da Justiça, os aliados do clã entram em pânico e correm para arranjar um salvo-conduto político que venha a tempo de salvar a pele dos seus. “Determinei inquérito para Eduardo Bolsonaro por tentativa de obstrução da Justiça” — Alexandre de Moraes.
O cenário é grotesco e previsível. Com a possibilidade de anistia criando um curto-circuito no Congresso — e sem garantias de que será uma anistia ampla o bastante para reabilitar Jair — o núcleo duro do bolsonarismo muda a estratégia: se Jair não volta, que voltem os filhos. Silas Malafaia, o deputado Sóstenes Cavalcante e uma miríade de figuras próximas ao clã se movem para viabilizar Eduardo como alternativa eleitoral, como se democracia fosse brinquedo de família. O plano é claro: blindar o clã a qualquer custo.
Eduardo, por sinal, não está apenas numa articulação rasteira de gabinete. Está nos Estados Unidos, andando de mãos dadas com a extrema-direita internacional, buscando amparo onde a grana e a impunidade se misturam. É público que ele manteve diálogo com o entorno de Donald Trump e há suspeitas de que sua atuação tenha contribuído para o tal “tarifaço” contra produtos brasileiros — uma jogada que penaliza trabalhadores e a indústria nacional enquanto protege interesses privados e capta atenção política. O Supremo, por sua vez, investiga sua atuação em um inquérito no qual Jair já foi punido com prisão domiciliar. A conta pode sair cara: investigadores e ministros do STF avaliam calendário que pode levar à denúncia e até ao julgamento ainda este ano. Se houver condenação até dezembro, Eduardo vira inelegível para 2026 automaticamente — e por mais tempo. A direita se organiza pelo pântano do poder e da grana.
Não dá para ser ingénuo: a movimentação no Congresso por uma “anistia” tem cheiro de conluio. É o velho jogo da casa grande tentando manipular regras para salvar-se da lei — um teatro de retrocessos em plena luz do dia. O que está em jogo não é apenas a elegibilidade de um ou outro indivíduo, é a permanência de um bloco político que aposta em desmanchar estatais, entregar recursos públicos a empresas privadas e fortalecer uma elite financeira que vive de privilégios. A defesa ferrenha da família Bolsonaro por pastores, líderes de bancada e operadores políticos é a face mais crua desse projeto.
Para quem combate o bolsonarismo de verdade, a saída não é confiar apenas no tribunal ou na bancada progressista. A luta é dupla: jurídica e política. É preciso deixar que a Justiça faça seu trabalho e, ao mesmo tempo, fortalecer uma mobilização popular que não aceite retrocessos autoritários nem pactos de impunidade. Lula e o PT, por tudo que já demonstraram, não são só alternativas eleitorais; são peças centrais para lançar uma nova etapa de enfrentamento ao capitalismo predatório no Brasil — a tentativa de transformá-los em coadjuvantes de um acordo que lave as mãos dos poderosos seria um erro histórico.
O bolsonarismo tenta se reinventar com artifícios, viagens à corte americana e negociações de bastidor. Nós precisamos obrigá‑lo a enfrentar a luz do dia: processos, denúncias e, sobretudo, a consciência política de uma maioria que não quer mais ver o país refém de clãs e de bilionários de direita. Que a Justiça faça seu papel, mas que a sociedade também exerça o seu: vigilância, pressão e organização para que a democracia volte a servir ao povo — e não aos que compram e vendem o futuro do Brasil.