A direita radical volta à carga com seu sonho golpista embrulhado em palavras bonitas: “anistia ampla, geral e irrestrita”. Não se trata de esquecimento ou reconciliação; é uma tentativa explícita de enterrar a responsabilização pelos ataques à democracia de 8 de janeiro de 2023 e dar um salvo-conduto aos que conspiraram contra as urnas e as instituições. Quem propõe isso não busca cura social: quer impunidade para conspiradores e licença para novos crimes políticos.
O que está na mesa
O projeto que circula na Câmara prevê perdão para diversos atos que atentam contra o Estado Democrático de Direito, contra a soberania nacional, as instituições democráticas e o processo eleitoral. Em linguagem direta: pretende livrar de punição quem participou de violência política, organização de grupamentos armados e ameaças às instituições. É isso mesmo: querem anistiar quem tentou derrubar a democracia! A proposta é empurrada pela ala mais radical do bolsonarismo, com o apoio cúmplice de setores do Centrão que tentam montar um “pacto” de impunidade.
Os juristas e parte do judiciário já soam o alarme. Ministros do Supremo Tribunal Federal avaliaram que, caso a proposta seja aprovada e chegue à Corte, tende a ser declarada inconstitucional. “Caso seja aprovado e o assunto chegue na Corte, será declarado inconstitucional” — ministros do STF. Isso porque a Constituição, no artigo 5º, prevê limites claros: o inciso 43 determina que tortura, terrorismo, tráfico de drogas e crimes hediondos são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia; o inciso 44 diz que ações de grupos armados contra o Estado são inafiançáveis e imprescritíveis. Ou seja: a própria carta democrática impede que se transforme crime contra a democracia em “atrito político”.
As manobras políticas e a resistência
No Congresso há quem tente costurar sobrevivência política para os golpistas. O PL e o Centrão trabalham para criar um movimento na Câmara que pressione pela anistia. Em resposta, no Senado o cenário é mais complicado para os defensores desse perdão coletivo. Líderes do MDB e do PSD avisaram ao presidente Davi Alcolumbre que não vão facilitar a tramitação nem a votação de propostas que aliviem os responsáveis pelo ataque às instituições. “Não vamos deixar tramitar uma proposta de anistia e também não queremos votar um projeto prevendo redução de penas para aqueles que atentaram contra a democracia” — líderes do MDB e do PSD, em contato com Davi Alcolumbre.
É preciso destacar também o cinismo de alguns porta-vozes da extrema direita. Como noticiado, há quem já fale em impor a anistia “por bem ou por mal”. “A anistia ampla, geral e irrestrita será feita por ‘bem ou por mal'” — Paulo Figueiredo. Traduzindo: se não conseguirem pela via institucional, ameaçam forçar o resultado por meio de pressão política e chantagem. Assim se revela a face autoritária do projeto: não é remissão; é intimidação.
O debate sobre essa anistia não é técnico: é profundamente político. Trata-se de escolher entre reafirmar as regras da República ou entregar um salvo-conduto à violência política. A esquerda, os democratas e a sociedade organizada precisam entender que aceitar esse tipo de proposta é permitir que a impunidade vire instrumento de poder. Não aceitaremos que a direita reescreva a impunidade como política de Estado.
Cabe ao movimento social, aos sindicatos, às forças progressistas e ao próprio governo democrático mobilizar-se para barrar essa farsa jurídica. Defender o Estado, as estatais e os direitos públicos significa também proteger a democracia contra quem a tenta desmontar para favorecer bilionários e entregar nossas riquezas. A hora é de luta política e de esclarecer que anistiar golpistas é abrir uma porta para o retrocesso — e isso, não, nós não vamos deixar passar.