A discussão sobre a anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro escancara o equilíbrio frágil entre forças que querem enterrar a democracia e quem luta para defendê-la. Enquanto a direita se esforça para varrer as responsabilidades para debaixo do tapete e devolver impunidade a quem atacou as instituições, governistas e o próprio presidente Lula travam uma batalha política necessária para impedir esse absurdo. O jogo no Congresso não é só jurídico: é um movimento estratégico, eleitoreiro e moral.
A indecisão de Motta
O presidente da Câmara, Hugo Motta, virou alvo de pressões intensas da oposição que quer pautar a anistia. Mas Motta tem jogado para a plateia: espera o desfecho do julgamento na Primeira Turma do STF para medir o vento e evitar um confronto direto com o Judiciário e com setores que apoiam o governo. “Motta tenta se equilibrar entre os interesses do governo e os apelos da oposição. Ele evita pautar o projeto da anistia nesse momento para não melindrar o trabalho dos ministros do STF, até porque o julgamento ainda está em curso” — Murilo Medeiros.
Há ainda uma composição política local que pesa: Motta precisa manter pontes com a esquerda para sua reeleição na Paraíba, sem romper com a base conservadora do Republicanos a nível nacional. “O presidente Motta não é de extrema direita, é da escola de Arthur Lira, que tem um perfil mais de conciliação. A própria atuação dele durante a ocupação da mesa reforça este posicionamento moderado” — Carlos Pereira. Em suma: ele tenta não queimar nenhum dos dois lados, tentando surfear a crise em vez de tomar partido.
Os critérios de Alcolumbre
No Senado, Davi Alcolumbre já deixou claro que rejeita uma anistia ampla que alcance o ex-presidente Bolsonaro. O texto que ganha voz em Brasília é mais “light”, com redução de penas para participantes e uma redução menor para lideranças — e, muito importante, sem contemplar Bolsonaro. “Ele trabalha uma anistia mais conectada ao STF, com um diálogo muito melhor com o supremo e uma anistia com um texto alternativo que, começando pelo Senado, não se estenderia benefícios ao ex-presidente Bolsonaro, seria uma anistia light” — Rodrigo Prando. Alcolumbre, ao que parece, tem mais culhão político para enfrentar a pressão bolsonarista do que Motta.
Movimento político para eleições presidenciais
Não nos enganemos: a anistia é também carta eleitoral. Há quem queira reabrir caminho para candidaturas e quem tenta usar o tema para construir crédito com o eleitorado bolsonarista. “Esse movimento tem de um lado um viés eleitoral tentando colocar esperança no bolsonarismo de que Jair Bolsonaro poderia estar nas urnas [em 2026]” — Rodrigo Prando. Tarcísio de Freitas, por exemplo, ampliou seu discurso pela anistia nas últimas semanas, numa tentativa clara de ganhar votos entre os saudosistas do bolsonarismo. É o velho jogo de promessa vazia: dizer que lutou e colher votos, mesmo sem resolver problemas do país.
Proposta impopular
Além das manobras políticas, há um fato inconveniente para os articuladores da anistia: a maioria da população é contra. Pesquisas da Genial/Quaest apontam que 56% dos brasileiros rejeitam a anistia para os envolvidos nos atos antidemocráticos. Motta sabe disso e teme o desgaste público — sem contar que pretende se reeleger presidente da Câmara. “O Hugo Motta entende o desgaste que existe com a sociedade, com a opinião pública, só que o presidente tem a intenção de ser reeleito presidente da Câmara. Então ele também não pode prescindir dos votos do bolsonarismo da extrema-direita” — Rodrigo Prando. Se a anistia passar, será um ataque frontal à memória democrática do país e um estímulo para novos abusos.
A batalha não é apenas parlamentar: é moral e histórica. Defender o Estado democrático de direito contra a tentativa de anistiar golpistas é defender a possibilidade de luta popular e reforma social que Lula e o PT representam como etapa necessária — sim, sem ilusões, mas com estratégia. Pergunto: vamos ceder espaço para a direita reescrever a impunidade? Ou vamos fortalecer as instituições, pressionar o Congresso e ampliar a mobilização popular para barrar mais esse ataque? A hora é de organização e enfrentamento.