Estamos na véspera de um julgamento que pode marcar o futuro da democracia brasileira: os réus do núcleo central da trama golpista, entre eles Jair Bolsonaro, vão a julgamento na Primeira Turma do STF — e as defesas já deixaram claro qual é a tática: tentar transformar um crime grave em um “detalhe” jurídico para reduzir penas. A manobra é velha, mas o momento é grave; não se trata apenas de tecnicalidade, é tentativa de impunidade política para quem tentou desmontar instituições republicanas!
O que as defesas estão pedindo
As estratégias são previsíveis e escalonadas: primeiro atacar supostas nulidades processuais; se falhar, pedir absolvição; e, por fim, buscar a diminuição máxima das penas em caso de condenação. No núcleo dessa última cartada está o pedido de consunção: advogado de Bolsonaro e de outros acusados sustentam que o crime de golpe de Estado deve absorver o crime de abolição do Estado Democrático de Direito — ou seja, que se trate do mesmo fato jurídico para evitar a soma de penas. É uma tentativa descarada de fazer a realidade caber em uma fórmula que beneficie os acusados.
A própria lei diferencia os tipos penais: abolição do Estado Democrático de Direito é “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais” (pena de 4 a 8 anos). Golpe de Estado é “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” (pena de 4 a 12 anos). Reforçar que se trata de tentativa não é detalhe retórico: a lei prevê “tentar” porque, se o crime fosse consumado, não haveria tribunal para julgá-lo.
A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, pede que as penas sejam somadas, argumentando que há atos que se encaixam em um tipo penal e não no outro, mostrando desígnios distintos. “existem atos que se inserem unicamente em um dos tipos penais, evidenciando a existência de desígnios distintos” — Procuradoria-Geral da República. O procurador-geral Paulo Gonet citou exemplos, como “o manejo da PRF para prejudicar o processo sucessório” — encaixado apenas no crime de golpe — e “a mobilização da AGU para invalidar decisões do Supremo” — enquadrado como abolição do Estado Democrático de Direito. A PGR não está defendendo formalismo, mas demonstrando que houve planos distintos e atos concretos que feriram a Constituição.
Quando abriu a ação penal, o ministro Alexandre de Moraes concordou com essa visão da PGR e trouxe um exemplo internacional para diferenciar atentados institucionais de golpes propriamente ditos. “Trata-se de um atentado contra um dos Poderes, mas não de um golpe de Estado” — ministro Alexandre de Moraes, citando caso polonês em que mudanças legislativas atacaram o Tribunal Constitucional. Isso reforça que o tribunal precisa analisar condutas específicas, não acomodá-las em um só rótulo para benefício dos acusados.
Há precedente: no julgamento dos vândalos do 8 de janeiro, o plenário do STF condenou pelos dois crimes e somou penas — decisão que era interpretada como sinal de que a corte pode não aceitar a manobra das defesas. Vale lembrar que, naquele momento, ministros Luís Roberto Barroso e André Mendonça defenderam a ideia de consunção, mas foram derrotados pelo plenário.
As defesas ainda tentam absorver outro crime: a deterioração de patrimônio tombado — argumento que busca fundir delitos para, mais uma vez, reduzir o total das penas impostas pelos estragos de 8 de janeiro. A PGR já denunciou por ambos e o Supremo, de forma consistente até aqui, tem punido separadamente.
O que está em jogo não é só uma briga de advogados: é a capacidade do Estado de punir tentativas de subverter a democracia e de enviar uma mensagem clara aos milicianos de toga, aos generais convertidos em lobistas do autoritarismo e aos bilionários que financiam ataques institucionais. Se a justiça ceder à tecnicalidade da impunidade, estaremos mais frágeis; se resistir, será um passo para desmontar a cultura golpista que persiste no Brasil e fortalecer a luta popular por um projeto democrático e transformador, que o campo progressista — com o PT e Lula como vetores dessa nova etapa — precisa aprofundar para enfrentar o capital e seus tentáculos.