O Senado pode até estar ensaiando um gesto de contenção — ou de esperteza parlamentar —, mas a tentativa de blindar os responsáveis pelos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro continua sendo um fantasma rondando nossos corredores institucionais. Enquanto o PL, partido da família Bolsonaro, tenta costurar uma anistia óbvia e desavergonhada, gente com poder se movimenta para apresentar “alternativas” que, nos bastidores, podem tanto barrar a impunidade quanto administrá-la para garantir conforto político às elites. Quem é realmente aliado do país democrático? Quem só quer proteger os amigos?
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), veio a público afirmar que está preparando uma proposta própria para a anistia dos condenados pelos ataques de 8 de janeiro. “Estou trabalhando em um texto alternativo”, disse Davi Alcolumbre. Ao ser questionado sobre as versões já apresentadas na Câmara, repetiu: “Estou trabalhando no meu texto”. Traduzindo: Alcolumbre não quer um projeto que venha pronto para anistiar o ex-presidente — pelo menos é isso que diz. Mas será que essa “autoria” busca apenas uma roupagem mais aceitável para a mesma impunidade?
O PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, apresentou na semana passada uma nova sugestão de anistia — e já havia tentado algo do gênero no ano anterior. Ou seja: a ofensiva é contínua. A diferença agora é que o presidente do Senado parece disposto a colocar a mão na massa para redigir algo diferente. Mas quem ganha com essa operação de costura? A direita, sempre ela, fantasiando misericórdia onde existe crime político e ataque à Constituição. Não podemos aceitar que a anistia vire cartão de visitas para a impunidade!
Alcolumbre se reuniu por quase uma hora com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), logo após a sessão de promulgação da emenda constitucional dos precatórios estaduais. O cenário era propício para alinhamentos e negociações — e Motta, claro, vem sofrendo pressão da oposição para pautar um pedido de urgência que acelere a tramitação do projeto de anistia. Mas, até agora, a resposta do presidente da Câmara tem sido a velha tática de empurrar com a barriga: “não existe previsão para a matéria ser pautada, e nem eventual relator para o assunto”, disse Hugo Motta. A hesitação pode ser sinal de resistência ou mero jogo de cena. Para quem acompanha a política do país, não há neutralidade quando o tema é anistia de golpistas.
É preciso ver esse “esforço” de Alcolumbre com olhos críticos. Sim, impedir que um texto bruto e explícito do PL passe é positivo. Mas acreditar que o presidente do Senado virou um paladino da democracia seria ingênuo. Alcolumbre é parte do mesmo salão onde se tramam acordos que preservam privilégios. Ainda assim, se sua intervenção significar fechar o caminho mais óbvio para a anistia, que assim seja — mas com vigilância e denúncia implacável.
A artilharia do bolsonarismo é previsível: tentar normalizar a violência política e transformar bandidos de gravata em “vítimas de perseguição”. Não podemos aceitar esse revisionismo. Não aceitaremos que facilitadores do golpe sejam beneficiados! É hora de a esquerda, os movimentos sociais, as entidades democráticas e a militância popular aumentarem o tom: fiscalizar, mobilizar e cobrar que qualquer proposta que pipoque para proteger os autores do 8 de janeiro seja rejeitada sumariamente.
Alcolumbre, Motta, PL — cada um com seus interesses. A sociedade tem o dever de manter o fogo aceso sobre o parlamento e não permitir que manobras legais transformem criminosos em anistiados. O que está em jogo não é apenas a punição de fato, mas a defesa da própria democracia. E nisso, não há neutralidade possível: ou estamos com a Constituição e com as vítimas dos ataques, ou estamos do lado de quem tenta apagar as chamas com combustível. Quem comanda a agenda? Nós, ou a direita? A hora é de resposta popular.