A condenação de Alexandre Ramagem na chamada “Trama Golpista” abriu mais um capítulo do confronto entre o Congresso e o Supremo — e como sempre, quem paga o preço desse jogo são as instituições democráticas e a paciência da população progressista. O ponto agora é simples: a Constituição prevê que parlamentar condenado criminalmente com sentença transitada em julgado perde o mandato. O nó? Ainda há recursos por analisar e a Câmara pode tentar transformar essa derrota judicial numa manobra política para proteger um aliado do bolsonarismo. Se a perda de mandato for homologada por despacho da Mesa, como determinou a Primeira Turma do STF, não precisa de votação em plenário; se for levada ao plenário, Ramagem pode escapar com os votos do Centrão.
O ministro Alexandre de Moraes foi claro ao justificar a via administrativa escolhida pelo tribunal: “Se a pena é em regime fechado, [acima de] 120 dias, isso não corresponde à possibilidade de continuar exercendo o mandato, é o número de faltas” — Alexandre de Moraes. Essa interpretação respalda a expulsão automática por incompatibilidade de exercício do cargo, ponto que bate de frente com a prática política rasteira do presidente da Câmara quando interessa ao grupo bolsonarista. Lembram quando Hugo Motta determinou votação em plenário para salvar Carla Zambelli? A turma da seita continua tentando transformar a Câmara num tribunal paralelo, com plateia e olé.
Suspensão da ação e a trapaça legislativa
Em maio, a Câmara aprovou por 315 a 143 votos o trancamento da ação contra Ramagem no STF — um espetáculo de impunidade aplaudido pela base reacionária. O relatório aprovado pretendia engavetar integralmente os cinco crimes imputados. Mas a Primeira Turma do Supremo foi cirúrgica: entendeu que os deputados só poderiam suspender o processo em relação a dois crimes cometidos após a diplomação. Os outros três — abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa — continuaram em pé, e foi justamente por esses três que Ramagem foi condenado.
A reação no Congresso já era previsível. Um deputado do Centrão, em tom de certeza, afirma que “não há dúvidas” de que a Câmara vai rejeitar a perda do mandato de Ramagem, citando uma mudança de posição do ministro Luiz Fux como álibi para a afronta institucional. “O próprio Fux refez o entendimento dele no sentido de que aquele trancamento da ação penal [aprovado pela Câmara] deveria suspender todos os delitos” — Deputado do Centrão (reservado). Do outro lado, o relator do relatório de trancamento, deputado Alfredo Gaspar, não esconde a ira: “a prerrogativa da Câmara foi desrespeitada pela Suprema Corte” — Alfredo Gaspar. Traduzindo: se a Corte toma uma decisão que desagrada ao Centrão, a resposta será votar politicamente para manter um aliado da extrema direita no cargo.
Essa disputa não é só sobre um mandato: é sobre quem manda na República e se leis e tribunais valem quando contrariam interesses do bolsonarismo e do Centrão. E, como sempre, a tática é a mesma — usar o plenário e o poder de barganha para trocar favores e enterrar a justiça.
Para quem luta contra a onda autoritária, o caso Ramagem é também um teste de estratégia: interessa nos limitar a protestos e editorializar contra capitães da reação, ou avançar politicamente para fortalecer a defesa das instituições e da soberania popular? Aqui entra a responsabilidade do campo democrático: apoiar medidas que consolidem o Estado e as estatais, recusar privatizações e a presença dos bilionários de direita no comando do país, e empurrar o bloco progressista para além do ciclo estritamente eleitoral.
A batalha vai continuar nas mesas, nos plenários e, sobretudo, nas ruas e organizações populares — e cabe a nós transformar essa fúria democrática em projeto real de poder, com o PT e Lula como pontos centrais de uma nova etapa anticapitalista, sem concessões ao conservadorismo e à podridão do Centrão. Está na hora de mostrar que não aceitamos barganhas para salvar facínoras. Quem protege golpistas será responsabilizado.