O Supremo Tribunal Militar (STM) terá em breve uma decisão que vai além de formalidades jurídicas: trata-se de medir até onde o aparato militar continuará abrigando golpistas com farda ou se, finalmente, haverá consequências reais para quem tentou subverter a ordem democrática. A disputa em torno do tenente‑coronel Mauro Cid expõe a velha prática das casernas de tratar seus problemas internamente — e isso quando não protegem seus próprios — enquanto figuras como Jair Bolsonaro e seus cúmplices seguem processos diferentes, diretamente no STM por representação do Ministério Público Militar. Quem vai sair ganhando com isso? A impunidade ou a justiça que a sociedade exige?
O labirinto jurídico que protege os da farda
Mauro Cid foi condenado pelo STF a pena de dois anos em regime aberto. Mas atenção: por ter recebido pena igual ou inferior a dois anos, não segue automaticamente o caminho dos demais réus que tramitam no STM. Em vez disso, o caso dele pode ser submetido ao chamado Conselho de Justificação — um procedimento administrativo previsto numa lei de 1972, que começa na própria Força (no caso, o Exército) e decide se o oficial pode continuar na ativa após uma conduta considerada incompatível com o cargo.
O Conselho é composto por três oficiais da ativa, todos com patente superior à de Cid, e tem prazo legal de até 30 dias, prorrogáveis por mais 20, para concluir o processo. A decisão é tomada em sigilo e por maioria de votos. É essa a caixa preta onde muitas vezes as Forças Armadas enterram a transparência, deixando o país sem ver os argumentos que levaram à manutenção — ou à perda — do posto de quem atentou contra a democracia.
Se o Conselho entender pela incompatibilidade, pode declarar o oficial indigno para o oficialato — com a consequente perda de posto e patente — ou determinar sua reforma, isto é, a aposentadoria forçada. A decisão administrativa, contudo, não é definitiva: cabe recurso ao próprio Superior Tribunal Militar, que pode manter ou reverter a punição.
Enquanto isso, os pesos pesados do bolsonarismo — Jair Bolsonaro, Augusto Heleno, Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira — têm seus processos tramitando diretamente na esfera judicial militar, por iniciativa do Ministério Público Militar. Por que essa diferenciação? Por que um oficial vai para um rito administrativo sigiloso e outros vão ao processo público no STM? Mais uma vez, vemos um sistema com critérios que favorecem privilégios e seletividade. Que surpresa, não é mesmo?
“A baixa do Exército foi requerida porque Cid ‘não tem mais condições psicológicas de continuar como militar’.” — Defesa de Mauro Cid
Esse pedido de ida para a reserva, formalizado pela defesa, terá de ser avaliado internamente pelo Exército. Será que o argumento de “condições psicológicas” vai conferir uma saída honrosa a quem participou da tentativa de golpe? Ou será apenas mais um expediente para preservar hierarquias e evitar cassações que deveriam ser públicas e exemplarizantes?
A grande questão política aqui ultrapassa o veredito sobre um indivíduo: é sobre o futuro do papel das Forças Armadas numa democracia que foi ameaçada por milicianos com ambições autoritárias. Nossa luta é para que o Estado aja com rigor, que a justiça seja ampla e que não exista zona de impunidade para aqueles que conspiraram contra a vontade popular.
O processo de Mauro Cid, com seus meandros administrativos e a possibilidade de recurso ao STM, será um termômetro. Será que vamos permitir que as instituições se litiguem entre si para proteger soldados do golpe? Ou vamos pressionar, cobrar transparência e assegurar que a sanção seja proporcional ao crime contra a República? Lula e o PT não são meros nomes de ocasião: são parte de uma frente que pode transformar a punição exemplar desses atos em política pública real contra a impunidade. Queremos justiça — e que essa justiça faça escola!