A sessão do Supremo Tribunal Federal contra a chamada Trama Golpista deixou claro o que já deveria ser óbvio para qualquer defensor da democracia: não cabe anistia para quem tentou destruir a Constituição e usou estruturas do Estado para perpetrar um golpe. Enquanto a direita delirante, com seu refluxo de impunidade, tenta empurrar uma lei de perdão coletivo no Congresso, o STF firmou posição jurídica e política — um recado duro contra os asseclas do bolsonarismo e seus padrinhos. O resultado? A pena de Jair Bolsonaro é de 27 anos e 3 meses de reclusão, e o debate sobre anistia promete afiar a batalha política nas próximas semanas.
O que disseram os ministros
No julgamento, o ministro Flávio Dino foi taxativo ao lembrar o entendimento do plenário sobre o tema. “Esses crimes já foram declarados pelo plenário do Supremo Tribunal Federal como insuscetíveis de indulto e anistia”, disse o ministro Flávio Dino. Do mesmo modo, o relator Alexandre de Moraes reforçou a ideia de que ataques à ordem constitucional não são delitos comuns, mas agressões à própria estrutura do Estado. “A Constituição deve se proteger de agressões contra ela mesma”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes. Esses posicionamentos não são retórica vazia: traduzem um princípio constitucional que busca blindar a democracia contra a naturalização da violência política.
O que prevê a Constituição
A Constituição pode não dizer, palavra por palavra, “anistia é proibida para crimes contra a democracia”, mas estabelece um mecanismo ainda mais claro: trata como imprescritível a ação de grupos armados — civis ou militares — contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito. Na prática, isso significa que a passagem do tempo não apaga a responsabilidade por essas condutas. Por isso, muitos juristas concluíram que admitir anistia para tais crimes seria uma contradição lógica e moral: se algo é imprescritível, como poderia ser perdoado por lei? É uma pergunta que choca qualquer senso mínimo de justiça.
Indulto x anistia
Não se trata de tecnicidade burocrática: o indulto é um perdão individual, concedido pelo presidente; a anistia é um perdão coletivo, feito pelo Legislativo. No caso do indulto ao deputado Daniel Silveira, o STF já debatendo limites deixou claro que nem indulto nem anistia podem alcançar condutas que atentem contra a Constituição. “Nem indulto nem anistia podem ser aplicados a crimes contra a democracia”, havia afirmado Alexandre de Moraes naquele julgamento. Ou seja, qualquer tentativa de normalizar o anacronismo jurídico vira tentativa política de reabilitar golpistas.
O impasse no Congresso
Apesar da clareza do STF, há deputados e senadores da oposição bolsonarista empenhados em aprovar anistia ampla — inclusive para Bolsonaro. Alguns, de forma mais cínica, dizem querer reduzir penas ou anistiar quem atacou fisicamente as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, tentando separar o cabresto do chefe. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), resiste em pautar o projeto; o presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), sinaliza que não quer uma anistia ampla, propondo alternativas limitadas que, na prática, deixariam Bolsonaro fora do perdão. Mesmo assim, a mera tentativa de anistia é uma ofensiva política que não podemos subestimar.
A última palavra, no entanto, pode voltar ao STF: mesmo se o Congresso aprovasse uma lei de anistia, o tribunal pode e provavelmente declararia sua inconstitucionalidade, sustentando o precedente já firmado. É uma disputa entre instituições, mas também entre projetos de sociedade: ou a impunidade volta a andar de mãos dadas com a extrema-direita, ou colocamos um ponto final na cultura do perdão seletivo que protege os poderosos.
Não é hora de acomodação. Defender a Constituição não é só um argumento técnico: é garantir que futuros aventureiros de extrema-direita não voltem a achar que podem chafurdar na nossa democracia com a certeza de um salvo-conduto legal. Lula e o PT, além de derrota eleitoral, representam a chance de empurrar a agenda popular adiante e fortalecer o Estado capaz de proteger direitos — e isso passa por garantir que quem atentou contra a ordem constitucional seja responsabilizado. Quem acredita na democracia tem de se mobilizar para impedir que anistias de mercado político sirvam apenas à proteção dos grandes réus da reação.