A troca de relatoria da chamada “PEC da Blindagem” na Câmara é mais do que manobra parlamentar: é um aviso claro de que a direita está tentando reconstruir suas trincheiras institucionais e garantir impunidade para seus aliados. Na manhã desta terça-feira (16), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), escolheu o deputado Claudio Cajado (PP-BA) para substituir Lafayette de Andrada como relator da proposta que, se aprovada, volta a exigir autorização prévia do Congresso para a abertura de processos criminais contra deputados e senadores — uma medida que, historicamente, serviu para proteger parlamentares do julgamento da Justiça.
O jogo por trás das cortinas
Motta não agiu sozinho: Cajado é aliado do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), apontado como peça-chave nas negociações que ressuscitaram a PEC no meio do bloqueio das atividades promovido pela oposição. Tudo indica que o plano é acelerar a votação — e rápido. Aliados de Motta dizem que ele tenta costurar um acordo ainda esta semana. E qual a surpresa? Não há: a blindagem é uma tentativa de restabelecer privilégios que beneficiam velhas raposas do Centrão e proteger o projeto político conservador que foi derrotado nas urnas, mas não aceita ficar fora do poder.
“Vou discutir a proposta nesta terça, em uma reunião de líderes convocada por Motta para discutir a agenda de votações desta semana”, afirmou o deputado Claudio Cajado. “O plano é tentar votar a proposta ‘ainda hoje, se tudo der certo’… e o parecer ‘terá o que os líderes acordarem’.”
A pressa tem razão de ser: há quem queira ver esse texto aprovado até antes de qualquer proposta de anistia aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023. Ou seja, antes de limpar a barra dos extremistas que atacaram a democracia, apressam-se para construir um escudo institucional que torne mais difícil punir parlamentares por crimes — inclusive os que possam ter articulado ou incentivado tais ataques. Absurdo? Claro que é. Mas é exatamente esse tipo de articulação que revela o caráter antidemocrático da direita: enquanto pregam “ordem”, tramam a impunidade.
Reinventar a blindagem é tentar devolver ao Congresso o poder de vetar investigações e barrar processos contra seus próprios membros — uma afronta direta à isenção do Judiciário e ao combate à corrupção. É importante lembrar o que essa regra já fez: entre 1988 e 2001, o Congresso Nacional barrou mais de 250 pedidos de abertura de processo criminal apresentados pelo Supremo Tribunal Federal. Em treze anos, apenas um processo foi autorizado contra parlamentar no exercício do mandato. Precisa dizer mais?
A tentativa de ressuscitar a regra extinta em 2001 diz muito sobre os interesses em jogo: não se trata de “harmonizar poderes”, como gostam de dizer os hipócritas, mas de construir um manto protetor para os caciques e aliados do bolsonarismo e do Centrão. A tática é clara — acelerar, costurar acordos nas cúpulas partidárias, promover um texto que satisfaça as bancadas fisiológicas. E enquanto isso, a população que sofreu com ataques anti-democráticos, com corrupção e com cortes de direitos segue sem respostas.
Se não houver ampla reação popular e pressão das forças democráticas, essa PEC pode se transformar numa das mais eficazes ferramentas de blindagem política já vistas nas últimas décadas. É hora de denunciar a manobra, articular unidade entre as forças progressistas e exigir que Lula e o PT, como força central de resistência democrática, não deixem passar essa tentativa de retrocesso institucional. A esquerda deve ampliar a mobilização nas ruas e nas instituições para impedir que a impunidade volte a reinar em Brasília. Quem acha que a democracia é negociável, não aprendeu nada com os últimos anos.
A mobilização é urgente: ou recuperamos o sentido da democracia como controle popular e responsabilização, ou veremos novamente o uso do Parlamento para proteger os poderosos e punir os que lutam por direitos. A PEC da Blindagem não pode ser apenas mais um capítulo do manual de sobrevivência das oligarquias políticas.