A Câmara dos Deputados passou a madrugada aprovando a famigerada PEC da Blindagem — uma reforma feita sob medida para proteger amigos, aliados e donos de mandato contra a Justiça. Foi votação de conveniência e de classe: 353 a 134 no primeiro turno e 344 a 133 no segundo. Enquanto o país enfrenta desemprego, altos lucros privados e ataques à educação pública, a prioridade de uma boa fatia do Congresso é garantir impunidade. É um escárnio com a democracia e com a luta contra a corrupção!
O que muda
A proposta devolve ao Congresso o poder de autorizar processar parlamentares: o STF terá de pedir autorização à Câmara e ao Senado antes de abrir ação contra deputados e senadores. A PEC prevê votação nominal — ou seja, aberta — para autorizar a abertura de processos; isso foi alterado de uma versão anterior que previa votação secreta para esse ponto. Porém, mantiveram a jabuticaba da votação secreta quando se trata de relaxar prisões em flagrante por crimes inafiançáveis: caso um parlamentar seja preso em flagrante, a Câmara ou o Senado tem 24 horas para decidir, por voto secreto da maioria, se mantém ou não a prisão. Um passe livre para encobrir crimes entre colegas.
A PEC também altera medidas cautelares: agora deputados e senadores só terão medidas cautelares expedidas pelo STF — não por instâncias inferiores — restringindo o alcance das investigações. E, como cereja do bolo da imoralidade, amplia o foro privilegiado para incluir presidentes de partidos com representação no Congresso — ou seja, mais gente ganha direito a ser julgada no formato que costuma demorar e proteger réus poderosos.
“É um texto sem novidades, invencionismos e garante o fortalecimento do mandato parlamentar de cada um dos parlamentares desta casa. Não é uma pauta da direita ou da esquerda”, afirmou Hugo Motta. A cara-de-pau institucionalizada em frase. Quem vive do mandato e dos privilégios chama de “garantia”; nós, que queremos responsabilização, chamamos de blindagem.
Negociação, motim e próxima etapa
A votação foi parte de uma costura política: Arthur Lira negociou a tramitação para encerrar o motim de deputados oposicionistas que ocuparam a Mesa Diretora em protesto contra a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro. O presidente da Câmara, Hugo Motta, mudou relator e levou o texto à votação após as pressões. A PEC ainda precisa passar por dois destaques na Câmara e seguir para o Senado, onde a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) é etapa obrigatória. O presidente da CCJ do Senado, Otto Alencar, já avisou que o texto não passará pelo colegiado.
“O texto não passará pelo colegiado”, afirmou Otto Alencar. Palavra importante — e aqui a pressão tem de continuar, porque a arena é nacional e o jogo sujo é velho.
Cajado tentou emplacar o verniz constitucional: “Essa PEC em hipótese nenhuma trata de defender privilégios individuais. Trata de resguardar garantias constitucionais.” Traduzindo: resguardar privilégios de quem ocupa cadeiras que protegem interesses oligárquicos e privatistas. Não nos enganemos: blindar parlamentares é blindar projetos de privatização, entrega do patrimônio público e políticas que beneficiam bilionários de direita.
A tarefa da esquerda e dos movimentos populares é clara. Defender estatais, resistir às privatizações, cobrar transparência e encorpar a luta por mecanismos que verdadeiramente limitem o poder de quem usa o mandato para enriquecer. Lula e o PT aparecem, neste momento, como ponto de articulação institucional e popular para barrar retrocessos — não basta só denunciar, é preciso mobilizar e disputar as ruas, as comissões e o debate político com firmeza.
A PEC da Blindagem chegou para escancarar um pacto de classes: enquanto o povo perde direitos, uma elite parlamentaria fecha fileiras para se proteger. Que fique claro: não aceitaremos que a impunidade vire regra. É hora de reagir, organizar-se e lutar para que a democracia não seja apenas um enfeite constitucional nas mãos de quem quer mandar sobre o país sem prestar contas.