A Câmara aprovou nesta terça-feira (16) a famigerada “PEC da Blindagem”: uma emenda constitucional que reforça proteções judiciais para deputados, senadores e agora também presidentes de partidos com assento no Congresso. O pacote saiu com o cheiro de negociata do Centrão e com o carimbo de impunidade: 353 votos contra 134 no primeiro turno e 344 contra 133 no segundo. Ainda faltam dois destaques a serem votados antes do envio ao Senado — ou seja, a luta não acabou, mas o jogo sujo já corre solto.
O que muda na prática
A proposta altera vários pontos críticos do rito penal para parlamentares. Primeiro: prisão em flagrante. Hoje a Constituição exige que a prisão em flagrante seja decidida pelo plenário da Casa do parlamentar. A PEC mantém essa estrutura, mas reduz prazos e altera procedimentos: em crimes tidos como inafiançáveis, os autos terão de ser encaminhados à Câmara ou ao Senado em até 24 horas, e a decisão sobre manter ou não a prisão será feita por votação secreta entre pares — uma mudança que abre caminho para conivência institucional.
Isso não é defesa da democracia; é construção formal de um escudo contra responsabilização!
Sobre abertura de processo criminal, a PEC resgata parte do modelo pré-2001: o Supremo Tribunal Federal terá de pedir autorização à Casa legislativa para processar o parlamentar. A Câmara ou o Senado terá até 90 dias para decidir. Importante: um destaque aprovado no último momento retirou a previsão de votação secreta nesses casos, tornando a votação nominal — um pequeno freio numa avalanche de privilégios, embora insuficiente diante do quadro geral.
Medidas cautelares — como restrições de contato, afastamentos temporários e outras obrigações processuais — poderão ser determinadas apenas pelo STF, e não por instâncias inferiores. Na prática, isso concentra ainda mais o controle sobre como e quando parlamentares são investigados.
E o regalo final: ampliação do foro privilegiado. Passam a ser julgados diretamente no STF também os presidentes de partidos com representação no Congresso Nacional. Ou seja, mais gente com direito a privilégios processuais que emperram investigações e alongam litígios por anos.
O placar e a negociação mostram a natureza política do projeto. O texto foi costurado para apaziguar um motim de deputados da oposição a favor da prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro — a velha tática: troca de favores e blindagem institucional. O presidente da Câmara, Hugo Motta, defendeu a PEC como proteção ao mandato: “É um texto sem novidades, invencionismos e garante o fortalecimento do mandato parlamentar de cada um dos parlamentares desta casa. Não é uma pauta da direita ou da esquerda.” — Hugo Motta (Republicanos-PB)
O histórico não é animador: levantamento do g1 mostra que, entre 1988 e 2001, quando regras de autorização legislativa existiam, o Congresso autorizou apenas um processo — claro sinal de como essas “salas de apelação” viram trincheira de impunidade.
Quem ganha com essa PEC? Sempre os mesmos: privilegiados, corruptos e filhos do toma-lá-dá-cá. Quem perde? A população, a justiça e a confiança nas instituições.
A PEC da Blindagem é um claro recado do Centrão e de setores conservadores: institucionalizar a impunidade para proteger mandatos e projetos políticos retrógrados. Para nós, que não nos contentamos com paliativos, a saída não é aceitar o jogo, mas combatê-lo politicamente, fortalecendo a mobilização social e as frentes democráticas. Lula e o PT, para além das disputas eleitorais, têm papel central — ou podem ter — em transformar esse momento de reação em impulso para uma agenda verdadeiramente republicana e anticapitalista. É hora de não só denunciar, mas articular ação nas ruas, parlamentos e tribunais para desmontar essa blindagem antes que ela se torne regra permanente.