O juiz federal aposentado Odilon de Oliveira, herói das operações contra o narcotráfico na fronteira seca entre Brasil e Paraguai, vive há seis anos sem a escolta que o protegia 24 horas por dia. Depois de duas décadas de proteção — fruto de ameaças reais e de um atentado em Ponta Porã — sua segurança foi suspensa em fevereiro de 2019, um ano e meio após sua aposentadoria. Agora, aquele que virou alvo de facções e foi jurado de morte tenta, na justiça, pelo menos o mínimo: escolta parcial para sair de casa com alguma segurança. Que país é esse que abandona quem arrisca a vida para enfrentar o crime organizado?
“A gente trabalha a vida inteira nesse Brasil. Renuncia à liberdade, renuncia à vida, e a família fica presa dentro de casa. Quando se aposenta, o Brasil joga o juiz no lixo, como se fosse uma bucha de laranja. E ele fica fragilizado, à disposição da criminalidade que combateu a vida inteira”, juiz Odilon de Oliveira. “Tenho implorado ao Conselho Nacional de Justiça” por segurança, disse ele em entrevista ao Globonews Mais. Não é só desumanidade: é pura covardia institucional.
A traição do Estado
Odilon não fala de abstrações. Reuniu cerca de 3 kg de documentos comprovando ameaças, planos de execução e o atentado sofrido. Pede escolta três vezes por semana, no máximo seis horas por dia, para retomar atividades externas básicas — um pedido razoável, que reflete a fragilidade de quem vive como alvo permanente. Enquanto isso, o Estado se omite. Como se protege a população atacando apenas os sintomas e deixando de proteger quem enfrenta a raiz do problema?
Na mesma semana, o país acordou com a execução do ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes — o terceiro servidor público assassinado diretamente por sua atuação contra o crime organizado em 22 anos no estado. Antes dele, um juiz e um ex-diretor de presídio foram mortos. Esses nomes somam-se a uma lista de abandono e negligência que não pode ser varrida para baixo do tapete.
É um escárnio com quem dedicou a vida a combater o crime. Enquanto isso, setores conservadores e privados aplaudem cortes e “eficiências” que reduzem o aparato público de proteção — como se resolver o problema fosse dobrar a aposta no mercado e privatizar o que resta de poder de Estado. Ridículo e perigoso.
Existem propostas legislativas que buscam remediar esse descaso: o tal PL Antimáfia, que prevê proteção também após a aposentadoria, e o PL 1307/2023, que propõe escolta pessoal para profissionais que atuam contra o crime organizado em regiões de fronteira. São avanços tímidos diante de um problema estrutural, mas essenciais. A pergunta é: quem vai bancar as leis se o Congresso é refém das bancadas que sempre preferiram enxugar o Estado a fortalecer suas capacidades?
O drama de Odilon escancara uma escolha política. Ou reconstruímos um Estado capaz de proteger seus servidores e, por extensão, toda a sociedade; ou continuaremos praticando a hipocrisia de elogiar “serviços essenciais” enquanto jogamos no limbo quem os presta. Precisamos de políticas públicas que garantam proteção continuada, protocolos claros de avaliação de risco e orçamento para escoltas e estruturas de segurança — não patchworks temporários e retóricas de ocasião.
Não podemos aceitar que o Estado trate heróis como lixo. E essa luta não é só de juízes ou policiais: é de toda a sociedade que quer viver num país onde o combate ao crime não é apenas espetáculo midiático, mas compromisso real do poder público. Lula e o campo progressista dizem que querem recompor a presença do Estado — é hora de provar na prática, aprovando leis e destinando recursos para proteger quem enfrenta os mais perigosos. E para nós, militantes e trabalhadores, resta a obrigação de denunciar esta covardia e exigir que vidas e carreiras dedicadas à justiça sejam respeitadas, sempre.