A CNBB saiu do banco dos observadores para bater o sino: a aprovação da chamada PEC da Blindagem na Câmara e as mudanças na Lei da Ficha Limpa no Senado não são meros detalhes técnicos — são um escudo para a impunidade. Enquanto a direita e suas raposas parlamentares costuram defesas institucionais para escapar de investigações, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) soaram o alerta. Resta saber se a população vai se contentar com lamentações ou se parte para a pressão organizada.
O que está em jogo
A PEC nº 3/2021, apelidada de “PEC da Blindagem”, coloca o próprio Congresso como filtro para processar parlamentares no Supremo: para que um deputado ou senador seja investigado, será necessária autorização da Câmara ou do Senado, por votação secreta. Imaginem o filme: investigados votando sobre investigar investigados — é comédia, não fosse trágico. É a burocracia do poder virando armadura contra a justiça.
No Senado, o PLP nº 192/2023 já foi aprovado e seguiu para a sanção presidencial: altera a Lei da Ficha Limpa e reduz o tempo de inelegibilidade de condenados. Na prática, quem cometeu crimes graves pode voltar a disputar cargos antes de cumprir integralmente as penas. Mais um golpe nas poucas traves que existem contra a política fisiológica e corrupta. Não é reforma: é retrocesso com carimbo parlamentar.
A CNBB lembra que a democracia se fortalece com participação popular, ética e fiscalização — lembrando aquilo que já deveríamos saber: poder sem controle vira gangue. “Diante das propostas que ameaçam a transparência e fortalecem a impunidade devemos nos questionar: ‘Quem protegerá a sociedade brasileira das incongruências do próprio Congresso Nacional?'” — CNBB. E o MCCE, do qual a CNBB faz parte, foi direto ao ponto: “a sociedade deve permanecer atenta e vigilante, cobrando de cada representante do seu estado, deputados e senadores, o compromisso com a ética, a responsabilidade e a defesa da democracia” — MCCE / CNBB.
Além disso, tramita no Senado o Novo Código Eleitoral (PLP nº 112/2021), que também mexe com dispositivos relacionados à Ficha Limpa e a normas do processo eleitoral. São vários tentáculos do mesmo objetivo: controlar as regras do jogo para que o jogo continue favorecendo os mesmos.
O Supremo entrou no roteiro. O ministro Dias Toffoli deu prazo de dez dias para a Câmara fornecer informações sobre a PEC — sinal de que o Judiciário também enxerga a gravidade do assunto. Resta ver se as instituições vão reagir com firmeza ou se permitirão que o Legislativo transforme a própria accountability em palanque de impunidade.
A luta política não se resume a discursos de padre ou procissões eleitorais: é realidade material. Enquanto a direita tenta blindar seus representantes, precisamos articular mobilização social, ações legais e pressão política. Isso inclui defender estatais, barrar privatizações que entregam patrimônio público aos bilionários, e fortalecer movimentos populares e organizações como o MCCE. Não basta esperar que um tribunal ou que uma liderança isolada resolva — é hora de organização.
A CNBB cumpriu um papel importante ao acender o sinal vermelho, e cabe à esquerda, aos trabalhadores, aos movimentos comunitários e a quem se recusa a aceitar retrocessos transformar esse alerta em ação. Lula e o PT, enquanto força organizada que pode canalizar o descontentamento para políticas públicas e resistência institucional, devem assumir um protagonismo mais claro na mobilização contra essas medidas regressivas. Ou vamos continuar vendo a democracia ser desmontada em parcelas, enquanto a direita celebra mais uma proteção a seus protegidos? Quem cala agora assina o documento do inimigo.