A reunião na casa de Michel Temer para combinar uma redução de penas aos condenados pelo núcleo do golpe de 8 de janeiro de 2023 foi mais do que um conluio parlamentar — foi um sinal de fraqueza e desespero da direita politicamente derrotada. Enquanto o PL tenta empurrar uma anistia (ou, como preferem agora, uma “dosimetria generosa”), parte do PT e advogados próximos ao governo levantam a voz contra a impunidade. Estamos diante de uma tentativa explícita de varrer pra baixo do tapete uma violência política que buscou rasgar a Constituição. Não podemos premiar golpistas!
O teatro da “dosimetria”
Na prática, o PL queria transformar um pedido público de anistia — que seria a extinção total da punibilidade — em algo com aparência técnica: o tal “PL da dosimetria”. Aécio Neves e figuras como Paulinho da Força compareceram à casa do ex-presidente Temer, com Hugo Motta participando remotamente, e discutiram inclusive contatos com ministros do STF para evitar que a Câmara aprovasse algo que depois fosse derrubado pela Corte. O relator Paulinho da Força avisou que vai articular a frente do PL e ouvir líderes, numa óbvia tentativa de costurar maioria. “Vou falar com todos os líderes, vamos buscar um consenso para pacificar o país”, afirmou Paulinho da Força.
O líder do PL, Sóstenes Cavalcante, deixou clara a chantagem retórica: para ele, quem já cumpriu parte da pena merece anistia. “A maioria já cumpriu 1/6 da pena, para eles o correto é conceder a anistia. Podemos conversar sobre mudança de penas, mas não é dosimetria, quem faz dosimetria é o STF, não o Congresso Nacional”, afirmou Sóstenes Cavalcante. Traduzindo: se não conseguem o perdão total, tentam empurrar um atalho institucional que desmoralize a condenação.
“Nós não concordamos, podemos até perder, mas neste caso é melhor ser derrotado a participar de um acordo para aliviar a justa pena aplicada aos golpistas”, disse Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas. Esse pronunciamento é a voz daquelas e daqueles que entendem que ceder à pressão de anistiar ou reduzir penas é entregar um salvo-conduto moral a quem quis impedir a posse democrática.
A direita quer limpar a fatura do crime político! E não é por falta de argumentos: é por medo de enfrentar o julgamento histórico pelo golpe e por uma disposição de repetir o ataque quando as consequências forem brandas. Aécio disse claramente que, se o Congresso seguir por esse caminho, se estaria “estimulando novas tentativas de golpe” e abrindo um novo confronto com o STF. “Caso contrário, estaremos estimulando novas tentativas de golpe, além de abrir um novo confronto com o STF”, afirmou Aécio Neves.
Não se trata apenas de tecnicalidade jurídica; trata-se de memória política e de prevenção. O pedido de Temer para ouvir ministros do Supremo e evitar que o projeto fosse questionado depois revela o pavor de que a opinião pública e os juízes coloquem freios nessa audácia. Contatos de bastidor com ministros não tornam legítimo um acordo que evidentemente busca proteger culpados.
Se parte do PT e dos advogados ligados ao governo resistem — e é louvável que o façam — é porque sabem que a democracia não se reconstrói com perdões generosos ao inimigo. É preciso, sim, pacificação, mas com justiça: responsabilização, não impunidade. Quem imagina que acordos de gabinete vão “pacificar o país” está apenas adiando a conta que a direita terá de pagar pela conspiração.
Fica claro o mapa do jogo: a direita tenta salvar seus protagonistas e reescrever a culpa; o campo democrático precisa segurar a linha e proteger as instituições. O que se decide agora vai além de penas: é se a sociedade aceita um precedente perdoando quem tentou rasgar a Constituição. A escolha é entre impunidade para golpistas ou reafirmação dos marcos democráticos — e não há meio termo razoável para quem quer defender a liberdade e o projeto popular autêntico. Quem busca conciliação com o inimigo da democracia está construindo, inadvertidamente ou não, o terreno para novas ofensivas.