A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de manter Jair Bolsonaro em prisão domiciliar escancarou, mais uma vez, a estratégia bolsonarista de transformar qualquer medida judicial em argumento de perseguição política. O ex-presidente foi enquadrado não pelos seus discursos inflamados, mas por descumprir a obrigação expressa de não emitir falas por meio de terceiros nas redes sociais. A onda de interpretações tortas que se segue não é acidente: é parte de um roteiro bem ensaiado pela extrema-direita!
A confusão deliberada
Desde que as tornozeleiras eletrônicas foram colocadas nos tornozelos de Bolsonaro, aliados e porta-vozes tratam de inundar entrevistas e redes sociais com alegações que nada têm a ver com a origem da medida restritiva. Bolsonaro não foi preso por falar, mas por desrespeitar uma ordem judicial clara. Essa distorção não surge ao acaso: visa minar a compreensão popular sobre o assunto e reforçar a narrativa de “caça às bruxas”.
“Estão propositalmente forçando uma confusão interpretativa, mesmo porque a maioria esmagadora das pessoas e eleitores não tem a mais remota condição de compreender as coisas”, alerta o criminalista Gustavo Sampaio. Para ele, o terreno de briga preferido dos bolsonaristas é justamente o do caos informacional. Afinal, em meio à desorientação, as fake news florescem e o autoritarismo encontra solo fértil.
Descumprimento de medidas judiciais
O cerne da questão foi explicado pelo criminalista Pierpaolo Bottini. Ele destaca que o que motivou a prisão domiciliar de Bolsonaro não foi a gravidade dos temas abordados, mas o simples fato de o ex-presidente infringir a ordem: suas falas foram retransmitidas pelo filho, o senador Flávio Bolsonaro, em suas redes sociais, desobediência que a Justiça proibiu expressamente.
“O que Bolsonaro disse não foi grave, mas esse não é o ponto. Ele tinha proibições claras. É como você ter uma pessoa que não pode sair de casa por ordem da justiça. Ela sai pra comprar cigarro. Comprar cigarro não é crime, mas a saída de casa viola decisão judicial, então essa pessoa está sim descumprindo uma medida judicial”, explicou Bottini. Simples assim: quando a lei diz “não faça isso” e você faz, não adianta argumento retórico para tentar mascarar a punição.
O espetáculo da direita incendiária
Enquanto Bolsonaro se esmurra contra a tornozeleira e acusa o Supremo de “suprema humilhação”, a base bolsonarista celebra. Para o cientista político Carlos Melo, o objetivo é manter a chama do conflito sempre acesa. “Estão incendiando o circo. Ou, pelo menos, tentando. Como se dizia no tempo em que eu era menino, essa é a ‘alegria do palhaço’ (ver o circo pegar fogo)”, analisa.
Por trás dessa encenação, há um claro desejo de alimentar a indignação dos seguidores e transformar a Justiça em vilã de um espetáculo que, no fundo, serve para manter viva a polarização rasteira. O curioso é que até os EUA – defensores históricos de “nossos valores democráticos” – saíram em defesa de Bolsonaro e ameaçaram retaliações. É estarrecedor ver governos imperialistas erguerem a bandeira da liberdade de expressão para proteger quem rompeu com ela de forma sistemática.
Enquanto isso, a base bolsonarista se delicia na desinformação, plantando caos onde deveria haver clareza! A consequência? Um ambiente inflamado, em que a razão perde para o verbo gritado dos militantes de extrema-direita.
Mais uma vez, o ex-capitão se coloca como mártir de uma suposta perseguição, mas esquece de dizer que quem desobedece as regras estabelecidas pela própria justiça não pode reclamar de punições. É o preço que se paga por se ver acima da lei. E essa lição vale para qualquer político que pense em desafiar o Estado de Direito em nome de um projeto autoritário.
No fim das contas, a prisão domiciliar de Bolsonaro revela não apenas o colapso de sua retórica ultradireitista, mas também a urgência de fortalecer mecanismos de democracia e transparência. Enquanto a direita radical aposta na confusão, cabe aos democratas – de todas as matizes progressistas – lutar por um debate sério, livre de radicalismos. Porque a democracia verdadeira não teme rigor judicial nem críticas fundamentadas; ela floresce justamente quando a lei é respeitada por todos, sem exceções.