No coração da 80ª Assembleia Geral da ONU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a tribuna para algo que deveria ser óbvio, mas que as forças reacionárias fazem de tudo para maquiar: denunciar a barbárie que se abate sobre Gaza e expor a hipocrisia das potências que dizem proteger a democracia enquanto impõem bloqueios e silenciamentos. Lula destacou a ausência do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, impedido de participar presencialmente por ação do país anfitrião — e fez um discurso que incomoda quem lucra com a guerra e com o deslocamento de povos.
“Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo, mas nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza”, disse Lula. É importante dizer claramente: reconhecer a violência de grupos como o Hamas não é sinônimo de concordar com a limpeza étnica, a fome e o deslocamento forçado que hoje marcam a vida dos palestinos. Nenhuma retaliação pode ser desculpa para crimes contra a humanidade.
Uma ONU acuada e um veto que pesa
Lula não poupou críticas ao comportamento das potências. Denunciou a decisão dos Estados Unidos de revogar vistos de membros da Autoridade Palestina — medida que resultou na ausência física de Mahmoud Abbas — e apontou o caráter antidemocrático dessa interferência dentro do próprio órgão que deveria promover diálogo. “É lamentável que o presidente Mahmoud Abbas tenha sido impedido pelo país anfitrião de ocupar a bancada da Palestina nesse momento histórico”, disse Lula. Triste espetáculo: enquanto discursos sobre direitos humanos ecoam no plenário, decisões de bastidor sufocam a participação de um povo inteiro.
O presidente brasileiro também fez questão de reconhecer e aplaudir as vozes judaicas que se insurgem contra a política de guerra: “Em Gaza a fome é usada como arma de guerra e o deslocamento forçado de populações é praticado impunemente. Expresso minha admiração aos judeus que, dentro e fora de Israel, se opõem a essa punição coletiva. O povo palestino corre o risco de desaparecer”, disse. São essas vozes — de judias, judeus, palestinos e solidariedade internacional — que apontam o caminho da humanidade.
Lula reafirmou a posição histórica do Brasil em favor da solução de dois Estados — uma Palestina ao lado de Israel — e criticou o bloqueio que impede avanços na ONU, lembrando que mais de 150 membros apoiam essa saída mas que ela é frequentemente obstruída por um único veto. O que vemos, na prática, é um jogo de poder que congela soluções e mantém populações sob cerco, enquanto governos conservadores e bilionários celebram contratos militares e lucram com a destruição.
Contextualizando: a ofensiva entre Israel e o Hamas reacendeu em 7 de outubro de 2023 e desde então a Faixa de Gaza vive uma crise humanitária sem precedentes, com fome, falta de serviços básicos e deslocamentos. No fim de agosto, o Departamento de Estado dos EUA revogou vistos de membros da Autoridade Palestina e da OLP — entre eles Mahmoud Abbas e mais de 80 representantes — em nome de uma retórica de segurança que, na prática, silencia interlocutores e endurece posições.
Lula, representante de um Brasil que historicamente reconhece a Palestina e defende o diálogo diplomático, deixou claro que o caminho passa por reconhecimento, proteção humanitária e pressão internacional contra medidas que alimentam a catástrofe. Para quem acredita na emancipação dos povos e no papel das estatais e políticas públicas como instrumentos de justiça, é revoltante ver o cinismo das políticas externas que dizem buscar paz enquanto alimentam a guerra.
Se há algo a tirar deste discurso é que a luta por direitos internacionais não é neutra: exige posicionamento firme contra o genocídio, solidariedade com os povos oprimidos e resistência às tramas das potências e da direita que lucram com o conflito. O chamado de Lula — e a reação de tantos abaixo-assinados, organizações e vozes dissidentes em Israel e no mundo — nos lembra que não podemos naturalizar a barbárie. É hora de mobilizar e pressionar por uma saída que não seja negociada à custa da existência de um povo.