A declaração inesperada de Donald Trump de que teria “boa química” com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a promessa de uma conversa na semana seguinte sacudiram o tabuleiro político brasileiro — e não foi um tremor qualquer: foi um abalo que pegou de surpresa tanto o governo quanto os restos da trupe bolsonarista, que até ontem se julgava dona das portas de Washington. O episódio expõe, mais uma vez, como a geopolítica é jogo de cabo de guerra, mas também nos lembra que as relações internacionais não seguem roteiro definido pelos derrotados da última eleição.
“Tivemos boa química” — Donald Trump. A fala, solta de forma aparentemente espontânea durante um discurso na ONU, foi percebida por observadores e por parlamentares bolsonaristas como um fora do script: Trump vinha crítico e, de repente, faz um parêntese elogioso ao petista e anuncia abertura de diálogo direto. Resultado? Os aliados de Jair Bolsonaro, acostumados a colocar os pés na Casa Branca através de homens como Eduardo Bolsonaro e influenciadores simpáticos ao clã, viram-se deslocados. O terreno que eles julgavam consolidado passou a oscilar.
Uma nova interlocução, um novo jogo
A entrada de Lula nessa interlocução direta com a Casa Branca altera os canais de poder — e isso não é pouca coisa. Até aqui, os principais intermediários eram figuras ligadas à extrema-direita brasileira; agora, o chefe do Executivo brasileiro passa a ocupar a linha direta. É uma mudança que pode significar desde ajuste fino na pauta comercial até negociações mais amplas sobre política climática, investimento e, claro, sanções e sobretaxas.
Para os bolsonaristas, essa possibilidade é um pesadelo: perder influência nas negociações com os EUA significa perder o lastro de poder que lhes restava. Por isso o incômodo diante da fala de Trump, vista por aliados do ex-presidente como sinal de que acordos futuros poderiam minimizar medidas punitivas que o governo norte-americano impôs ao Brasil. E essa apreensão se mistura com um temor mais profundo: a de que suas redes de proteção diplomática estejam derretendo.
Mas não sejamos simplistas: a aproximação também tem custos e riscos. O imperialismo dos EUA não entrega bondades de graça; tudo é moeda de troca. É preciso que o governo Lula saiba negociar sem entregar aquilo que é patrimônio do povo brasileiro. Estatais, soberania e políticas públicas não podem virar moeda de barganha para agradar a Washington. Lula ocupa uma posição estratégica para reverter a lógica privatizante que a direita tentou enfiar goela abaixo do país — e não será via apertos de mão com magnatas estrangeiros que largaremos essa luta.
O episódio, no fundo, revela outra coisa importante: a direita brasileira subestimou a capacidade de Lula de reposicionar o Brasil sem depender das antigas vettas de influência. E Trump, sempre oportunista e teatral, percebeu o espaço aberto para negociar direto com quem, efetivamente, governa. Isso expõe um fato óbvio que alguns preferem fingir não ver: a política externa se realinha conforme interesses práticos, não conforme fofocas de redes sociais.
Ao mesmo tempo, cabe a nós, militantes e organizações populares, manter o pé firme. Não se trata de romantizar encontros entre chefes de Estado, mas de exigir que qualquer aproximação sirva para fortalecer a soberania nacional, combater privilégios dos bilionários amigos do Trump e de outros oligarcas, e impedir que privatizações e entregadas de ativos públicos voltem ao cardápio. Lula e o PT têm a oportunidade histórica de transformar essa abertura em alavanca para políticas de desenvolvimento soberano e justiça social — se não cederem às pressões do mercado internacional.
O recado que fica é claro: a direita perde terreno quando o povo decide governar pelo povo, e não por seus lobistas. A conversa entre Trump e Lula pode ser um episódio de bastidores, mas não é neutra. Cabe à militância vigiar, mobilizar e empurrar o governo para a rota de retomada das funções públicas, da proteção aos trabalhadores e da luta efetiva contra as privatizações que tanto agradam os barões do capital. Querem negociar? Que negociem em favor do Brasil e da nossa soberania — e não para salvar o pescoço de donos de empresas e banqueiros.