A cena nos corredores da ONU — dois presidentes trocando abraços e sorrisos rápidos — pode parecer espetáculo diplomático, mas não se iluda: é também aríete político! Depois de meses de sanções, tarifas e bravatas contra o Brasil, Donald Trump disse ter tido “ótima química” com Lula e chamou-o de “um cara legal”. Em menos de trinta segundos ficou combinado um encontro para a semana seguinte. Quem acreditaria? Pois é, a política externa voltou a ser palco de teatro e negociação, enquanto a direita tenta decifrar se ganhou terreno ou apenas ganhou cena.
O contexto e as verdades inconvenientes
Desde que Trump retornou à Casa Branca, o relacionamento bilateral entrou numa escalada hostil: tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, sanções pela Lei Magnitsky que chegaram até à família do ministro Alexandre de Moraes, revogação de vistos a autoridades brasileiras e uma retórica de afronta ao Supremo. A condenação de Jair Bolsonaro a 27 anos só inflou a tempestade. Os EUA atacam instituições brasileiras e depois fingem surpresa quando o país se defende. E o que faz a direita brasileira? Aplaude a humilhação internacional enquanto vota a favor de privatizações e entrega recursos estratégicos aos barões do capitalismo!
“Foi a primeira vez em que Donald Trump mencionou publicamente o nome de Lula — salvo melhor juízo — e isso ocorreu em um ambiente de grande visibilidade. Além disso, a referência foi mais elogiosa do que crítica, mais positiva do que negativa”, disse Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da UFMG. “Mas é claro que isso não desfaz todo o problema diplomático que Trump construiu diligentemente desde que assumiu a Casa Branca. Há um acúmulo de tensões que precisará ser processado.”
O que há de clara nessa foto instantânea é a tentativa americana de reencaixar o Brasil num tabuleiro que favoreça interesses comerciais e geopolíticos. Trump joga personalismo bruto, promete diálogo e mantém políticas que prejudicam nossa soberania. Lula, por sua história e política, não é um carteiro da diplomacia neoliberal: não haverá rendição a pressões externas nem submissão a interesses corporativos.
O encontro e o que pode vir
Especialistas avisam: diálogo nem sempre significa conciliação de princípios. “É impossível saber o que vai sair dessa negociação. Mas o simples fato de abrir um diálogo já é relevante. Permite estabelecer uma relação pessoal entre os dois e identificar onde há espaço para compromissos, seja no campo comercial, seja na disputa em torno das sanções contra autoridades brasileiras”, afirmou Oliver Stuenkel, da FGV. Por outro lado, Lucas Leite, da FAAP, lembra o caráter volátil da jogada trumpista: “Duvido que qualquer negociação envolvendo Trump siga os padrões normais da diplomacia ou respeite regras multilaterais. É mais provável que haja algum tipo de discussão bilateral sobre tarifas…”
Paulo Velasco, da Uerj, faz o alerta prático: “Se o encontro não acontecer, o Brasil pode ser culpado por não dialogar; se acontecer e houver algum acerto, Trump poderá vendê-lo como vitória, alegando que o país cedeu e se curvou.” E Anthony Pereira, da Universidade Internacional da Flórida, toca no simbolismo: “Se o gesto de Trump for sincero, isso significa que os líderes vão se encontrar e pode haver alguma negociação sobre tarifas e sobre a aplicação da Lei Magnitsky. Além disso, coloca Lula numa posição mais forte…”
No discurso da ONU, Lula foi claro: “Diante dos olhos do mundo, demos um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis”, declarou. É raro ver tamanho recado de soberania e compromisso social num palco mundial, enquanto do outro lado o showman da direita renega ciência climática e solapa instituições.
A foto do aperto de mão e do “cara legal” não apaga a tentativa imperial de cercear nossa autonomia. O encontro pode abrir espaço para ajustes comerciais — necessários para proteger trabalhadores e preços internos —, mas jamais será justificativa para capitulações. Lula e o campo popular devem negociar com firmeza: defender estatais, recusar ingerências e garantir que quaisquer acordos não sacrifiquem soberania ou programas sociais. A direita chora por influência; nós, que queremos um Brasil soberano e solidário, seguimos de olhos abertos e punhos cerrados.