O relator da medida provisória que mexe na tributação das aplicações financeiras, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), decidiu bater o martelo: haverá cobrança de Imposto de Renda sobre as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e de Crédito Imobiliário (LCI) — e não só isso, sugeriu aumentar a alíquota para 7,5%, numa guinada que desmonta privilégios que vinham sendo celebrados como “direito natural” pelo setor financeiro e pelo agronegócio. É a primeira vez em muito tempo que se tenta mexer no bolso dos que sempre ganharam às custas do resto da sociedade — e claro que a reação foi imediata e barulhenta.
Zarattini, relator na comissão especial que reúne deputados e senadores, manteve a isenção para alguns papéis que interessam menos ao governo nesse momento de contenção: Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e do Agronegócio (CRA); fundos de investimento imobiliário (FIIs) e de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros); e debêntures incentivadas. A estratégia é clara: buscar um acordo com segmentos do agronegócio para preservar a medida provisória ao menos em parte e evitar o desgaste político de um confronto aberto. A previsão é votar na comissão até a próxima terça-feira (30), com o relógio correndo — o texto perde validade em 8 de outubro.
Impasse e aritmética política
A disputa está menos nos números e mais na política. Do lado do governo, quem tem impulsionado a articulação é o Ministério da Fazenda: o secretário-executivo Dário Durigan pediu pressa e paciência, convocando os aliados a manterem a ofensiva. “Temos que nos manter em alerta para seguir cumprindo a nossa agenda no Congresso Nacional. Dentro dessa agenda fiscal, destaco a MP 1303. É fundamental que avancem as negociações”, afirmou Dário Durigan. O ministro Fernando Haddad também tem botado o corpo nas negociações — afinal, arrecadação e meta fiscal não se cuidam sozinhas.
Do outro lado, a bancada ruralista e o emergente discurso de direita conservadora não se calam. Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), ligado à Frente Parlamentar da Agropecuária, deixou sua reclamação clara: “Quando a proposta do governo veio, ela pegava quatro famílias de títulos isentos, os chamados recebíveis. Após a nossa pressão, o relator recuou em três pontos, o que já nos deixou felizes. Mas, ainda reclamamos das letras de crédito, porque a alíquota de 7,5% é inaceitável para nós”, avaliou o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). Traduzindo: os poderosos não vão aceitar um centavo a menos sem fazer guerra. Ruralistas não vão entregar de bandeja seus privilégios — e ameaçam usar a MP como moeda de troca política.
A saída do União Brasil do governo adiciona tempero ao caldo. A legenda que abriu as portas para articular contra o Planalto pode soprar vento favorável à oposição, transformando a proposta fiscal em instrumento de retaliação política. Ou seja, a MP que deveria ser um ajuste técnico de arrecadação virou batalha campal: cada artigo vira pretexto para quem quer desestabilizar.
Para além do circo parlamentar, a questão é social: estamos falando de tributar ativos que, até aqui, serviam como paraíso fiscal para quem tem dinheiro para aplicar. Defendemos, sim, proteção às estatais e impostos progressivos — e enxergamos no PT uma chance de empurrar o país para uma etapa mais decidida de combate às desigualdades. Não vamos romantizar: negociar é necessário, mas entregar o jogo ao agronegócio e ao mercado é traição à base popular.
A conta é simples: sem arrecadação justa, não há espaço para políticas públicas que revertam a miséria e desafiem os bilionários. A discussão sobre LCAs e LCIs será um termômetro do quanto o governo pretende enfrentar os interesses concentrados. Se o Congresso virar palco de chantagem, a esquerda e os movimentos populares terão que subir o tom: não é hora de recuar, é hora de organizar e disputar cada voto dentro e fora do plenário. Afinal, quem manda no Brasil continuará sendo o povo — ou continuaremos a servir ao altar dos privilegiados?