A guerra fria entre Câmara e Senado escalou para mais uma cena de teatro: o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), cancelou uma reunião com o relator do projeto de anistia, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que seria realizada na noite de 24 de julho. Oficialmente, o motivo foi a presença do senador em um evento de despedida do ministro Luís Roberto Barroso da presidência do STF — uma desculpa elegante para abafar o ruído político? Não faltam pistas de que o verdadeiro problema é a famosa rixa entre as duas Casas e o jogo de influência que ameaça transformar um tema sensível em moeda de troca para acordos obscuros.
Jogos de poder e a fatura da anistia
Enquanto o Parlamento faz malabarismos, Paulinho da Força segue costurando apoios: reuniões com PSD e PCdoB, negociações partido a partido para tentar aprovar um projeto que cheira a perdão seletivo. O curioso é que o relator foi escolhido “com a chancela do STF”, o que soa como tentativa de dar aura de legalidade a um instrumento que pode terminar por proteger os responsáveis por atropelos institucionais. O Senado, por sua vez, não está inerte: quer incluir um projeto do ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre dosimetria de pena para os condenados pela trama golpista — e já enviou a proposta à Câmara. Ou seja, há esforço para articular um texto que, em tese, alinhe a pauta com o Supremo. Mas quem ganha com essa harmonia repentina entre Poderes?
O enfraquecimento da Câmara diante do Senado — e vice-versa — é só a ponta do iceberg. A questão real é política: quem decide quais crimes serão anistiados? Quais interesses serão protegidos? E por que tanta pressa, agora, quando a opinião pública segue atenta às investigações sobre o golpe e a responsabilização de seus artífices? Não é por acaso que os blindados do bolsonarismo e seus aliados tentam usar a anistia como escudo. A alternativa é simples: ou a luta por justiça prevalece, ou as instituições são convertidas em coadjuvantes de uma barganha que restabelece privilégios impunes.
A postura de Alcolumbre — cancelando reuniões públicas, participando de eventos de alto escalão e negociando nos bastidores — revela o caráter de conveniência do “centro” que, muitas vezes, protege mais a estabilidade dos acordos políticos que a efetiva responsabilização dos golpistas. Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, aparece tentando recompor pontes; ainda assim, a demora para marcar um encontro oficial é sintomática. Quando interesses partidários se sobrepõem à proteção da democracia, o preço é pago por nós, populares.
Do lado progressista, a presença de partidos como PCdoB nas negociações e a tentativa de alinhamento com o STF podem ser interpretadas como estratégias para evitar um impasse institucional. Mas cuidado: diálogo não pode ser conivência. Lula e o PT, que para nós representam não apenas uma alternativa eleitoral, mas uma frente necessária para rearmar a luta anticapitalista, devem pressionar para que a anistia não sirva de máscara para impunidade. Precisamos de transparência, debate público e um processo que não permita que os poderosos negociem suas imunidades.
A pauta da anistia atravessa a vida democrática do país. Não é tema para acordos obscuros nem para manobras de calendário. A sociedade exige respostas claras: responsabilização dos responsáveis pelo golpe, reforço das instituições públicas e defesa das estatais contra o afã privatista da direita. Se a política for feita para proteger os de sempre, estaremos todos perdendo. Se for para avançar na democratização e na justiça social, teremos um passo decisivo na reconstrução do Brasil que lutamos para conquistar.