A Câmara dos Deputados voltou ao seu lugar habitual de disputas de poder, mas o espetáculo dos bolsonaristas emulando um motim confirma que a disputa pelo regime democrático segue séria. Entre quebra-quebra retórico e negociações às pressas, deputados de diferentes alas tentam garantir seus próprios privilégios enquanto o país assiste, atônito, a esse vai-e-vem de chantagens.
Nos dois dias de ocupação do plenário, parlamentares alinhados a Jair Bolsonaro condicionaram a desobstrução a pautas que soam como um contrabando de impunidade. O mote era claro: restaurar prerrogativas e blindar réus do 8 de janeiro. Quem imaginava que a Casa se empenharia em temas urgentes, como saúde ou educação, deu de cara com o pedido de anistia aos golpistas e a exigência de pôr fim ao foro privilegiado – não para agilizar investigações, mas para substituir uma chantagem por outra.
Em cena, o líder do PL apresentou o “acordo” como vitória da turma que se recusa a reconhecer a Justiça. “Toda essa ocupação pelos guerreiros parlamentares tem o objetivo principal da volta das prerrogativas do Congresso Nacional,” declarou Sóstenes Cavalcante (RJ), retratando o desvario de quem pensa que privilégios exclusivos dão autoridade política. Municiados pela retórica da insatisfação, esses deputados querem trocar a apuração de seus casos por uma espécie de salvo-conduto coletivo.
Mas, como era de se esperar, nem todos no bloco governista engoliram a versão do “acordo selado”. Horas depois, o presidente Hugo Motta tratou de abrir a sessão como se nada tivesse ocorrido, ignorando o suposto pacto. E o PT, mais uma vez, mostrou seu compromisso com a democracia: liderados por Lindbergh Farias, a bancada anunciou que vai ao Conselho de Ética contra quem encapitou a Mesa e parou os trabalhos. “Vamos ingressar com representação no Conselho de Ética contra os parlamentares que ocuparam a Mesa da Câmara,” afirmou Lindbergh Farias (PT-RJ), lembrando que cumplicidade com atos antidemocráticos não pode ficar impune.
O episódio é mais um lembrete de que a velha tática da radicalização sempre foi um recurso populista para acelerar concessões políticas. Bolsonaro e seus seguidores tentam, de novo, trocar a balbúrdia pelo direito de pisar impune em instituições. Enquanto isso, setores conservadores do Congresso, sempre prontos para fechar acordos nos bastidores, soltam o discurso da “independência entre poderes” para maquiar um negócio sujo de manutenção de privilégios.
Será que a Câmara virará um ringue permanente onde prevalece o mais afrontoso? O que fez a turma do bolsonarismo é um escárnio: querem virar o relógio atrás, anistiar quem atentou contra o coração da nossa democracia e manter um foro que só existe para maquiar impunidades. Os verdadeiros defensores do povo sabem que direitos se conquistam com mobilização social e ampliação de estatais, não com jogadas de bastidores.
Enquanto isso, a base governista progressista segue firme em alertar o país: não há recuos possíveis quando a tentativa é restaurar privilégios e encobrir crimes políticos. O embate no plenário demonstra quem está de um lado da história: de um lado, a direita golpista que apela a táticas de má-fé; de outro, a trincheira democrática – que inclui PT, PSOL e alas populares – que recusa negociatas e reafirma a necessidade de um Brasil soberano, de serviços públicos fortalecidos e justiça para todos.