O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, acaba de apresentar ao STF um recurso de embargos de declaração que busca dar contornos claros à nova regra do foro por prerrogativa de função, aprovada em março pela Corte. O movimento acontece num momento de forte pressão dos bolsonaristas no Congresso, que tentam aprovar uma PEC para esvaziar o alcance do foro privilegiado — ou seja, querem remeter para as primeiras instâncias ações que poderiam comprometer o próprio chefe do centrão. Mas não se engane: por trás do discurso do “pacote da paz”, esconde-se a velha estratégia de blindagem política e retrocesso investigativo.
O jogo de cartas marcadas
A proposta dos aliados de Jair Bolsonaro (PL) tem um nome pomposo, mas o objetivo é claro: tirar do STF a competência para julgar ex-presidentes e ex-parlamentares, abrindo caminho para que investigações fiquem reféns de juízos lentos e manobráveis pelo gabinete do ódio. Enquanto isso, o recurso da PGR pede apenas que o Supremo evite o caos processual ao deslocar centenas de ações de volta às cortes superiores.
“É fundamental estabelecer balizas para que a interpretação não gere insegurança jurídica e nem favoreça manobras políticas”, alerta o constitucionalista Luís Henrique de Araújo.
É exatamente na contramão desse ataque conservador que Gonet apresenta seus embargos. **Ele não questiona o mérito da nova tese**, que mantém o foro mesmo ao fim do mandato quando o crime tiver relação direta com o cargo. Mas quer deixar claro que processos em fase final de instrução — aqueles prontos para as alegações finais — não podem ser remetidos de forma abrupta para outra instância. Esse cuidado evita atrasos absurdos e garante que a Justiça não seja refém da politicagem.
As demandas da PGR
No documento, Gonet detalha quatro pontos que, segundo a PGR, carecem de esclarecimento:
1. Processos em fase final: não aplicar a regra a casos já com provas concluídas e prontos para defesa final.
2. Mandatos cruzados: estabelecer critério para políticos que mudam de cargo — governador que vira senador, por exemplo — de forma a impedir sucessivos trâmites.
3. Cargos vitalícios: juízes e membros do MP, após aposentadoria, também teriam o foro mantido caso o delito seja relacionado à função ativa.
4. Crimes antes da diplomação: reforçar que atos praticados antes de tomar posse não se enquadram na prerrogativa.
“Essa falta de clareza é um convite ao jogo político que favorece as elites”, critica a professora de Direito Marília Cataldi, lembrando que sem regras de transição pode haver verdadeira bagunça nos tribunais superiores.
Entre esses pontos, fica evidente que o objetivo maior da PGR é garantir continuidade e eficiência à persecução penal — exatamente o oposto do que sonham os bolsonaristas, que querem mandar tudo para varas de interior e enfraquecer a investigação contra seus liderados. **A praia de areia movediça do “pacote da paz” revelará, mais cedo ou mais tarde, interesses escusos por trás do discurso de limpeza.**
Enquanto isso, a sociedade precisa ficar atenta: a tentativa de desmonte do foro foi apresentada como um gesto de moralização, mas na prática visa proporcionar trânsito livre a figuras que se valeram do cargo para se locupletar. É fundamental cobrar clareza e rigor da Corte, para que não se transforme o Supremo num balcão de negócios do centrão.
A movimentação de Gonet mostra que nem sempre a máquina estatal se curva aos interesses da oligarquia. Ao pedir ao STF regras de transição e limites objetivos, a PGR dá sinais de resistência ao desmonte institucional e de alerta contra retrocessos. Em meio ao cenário de polarização, a luta por uma Justiça independente e eficiente segue sendo peça-chave na construção de um projeto popular que rompa com a lógica dos bilionários de direita, das privatizações e das blindagens políticas que travam as investigações.