A crise na Câmara mais parece novela diária dirigida pela extrema direita: quando faltam argumentos, sobram manobras e vocação para censura. Nos dias 5 e 6 de agosto, deputados de oposição ocuparam a Mesa Diretora e obstruíram o plenário em protesto contra a prisão domiciliar concedida ao ex-presidente Jair Bolsonaro — réu por tentativa de golpe e investigado por atrapalhar investigações. A resposta da Mesa, capitaneada por Hugo Motta (Republicanos-PB), foi protocolar e política: enviar 14 representações disciplinares à Corregedoria Parlamentar, acionando o rito que pode, no extremo, suspender mandatos por até seis meses.
A reação da Mesa
A decisão de encaminhar tudo à Corregedoria foi tomada em reunião extraordinária da Mesa e formalizada pela Secretaria-Geral. “A fim de permitir a devida apuração do ocorrido, decidiu-se pelo imediato encaminhamento de todas as denúncias à Corregedoria Parlamentar para a devida análise”, informou a Mesa. Traduzindo: empurra-se a pilha para o corregedor e ganha-se tempo político — tempo para a direita tentar transformar protesto em espetáculo punitivo. Na prática, Motta poderia ter optado por representar diretamente à Comissão de Ética, como fez antes com Gilvan da Federal (PL-ES) e André Janones (Avante-MG), mas escolheu o caminho que adia a decisão final. Quem ganha com esse adiamento? A direita, sempre pronta a transformar regras em arma para silenciar o dissenso.
O roteiro processual está claro: o corregedor tem 48 horas, segundo o Ato da Mesa nº 180/2025, para oferecer proposta de suspensão cautelar ou arquivar. Em seguida, o parecer volta à Mesa, que, por maioria absoluta, decide se envia ou não ao Conselho de Ética. Ou seja: o espetáculo punitivista que a oposição ‘incomodou’ pode demorar, e a Mesa joga com prazos como mestre de palco. E o mais escancarado: essa engrenagem só funciona em uma direção — contra quem protesta contra a impunidade de Bolsonaro e seus cúmplices.
Quem são os deputados
Foram apresentadas 14 representações: 12 contra parlamentares do PL, uma contra um deputado do PP e outra contra um parlamentar do Novo. Os nomes incluem figuras conhecidas do bolsonarismo e da extrema direita: Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Carlos Jordy (PL-RJ), Nikolas Ferreira (PL-MG), Zucco (PL-RS), Allan Garcês (PP-MA), Caroline de Toni (PL-SC), Marco Feliciano (PL-SP), Domingos Sávio (PL-MG), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Zé Trovão (PL-SC), Bia Kicis (PL-DF), Paulo Bilynskyj (PL-SP), Marcos Pollon (PL-MS) e Julia Zanatta (PL-SC). É uma lista que não surpreende: são os mesmos que embalam o discurso de ódio, atacam as instituições e agora choram pela “ordem” que sempre defenderam quando estão do lado de fora do poder.
O episódio teve também uma versão de palco: o PL apresentou inicialmente representação contra a deputada Camila Jara (PT-MS), acusando-a de empurrar Nikolas Ferreira — acusação que depois não apareceu na lista final. “Ela me empurrou”, afirmou o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). Palco, cena e acusação seletiva. Enquanto isso, políticos com histórico de incitação e desinformação seguem com palanque e proteção institucional.
A verdade é que estamos diante de duas estratégias: a direita tenta judicializar e burocratizar a política para punir quem faz política de verdade; a oposição, e nós do campo popular, precisamos transformar cada tentativa de intimidação em combustível para mobilização. Lula e o PT, além de alternativas eleitorais, aparecem como forças centrais nesse momento de reorganização da luta anticapitalista — não para moderar, mas para impulsionar um projeto popular que enfrente bilionários, privatizações e os tentáculos do bolsonarismo.
Se a Mesa acha que mandar para a Corregedoria é o fim do debate, enganou-se. O processo pode até seguir seus trâmites formais, mas a política se faz nas ruas e no enfrentamento ideológico. A direita quer punir protesto; nós queremos ampliar a resistência. A quem serve suspender mandatos quando o verdadeiro crime é amparar quem tenta desmontar a democracia?