O Supremo Tribunal Federal (STF) volta à pauta com decisões que combinam drama familiar, disputa sobre poderes do Estado e mais uma rodada de debates sobre quem pode ou não enquadrar autoridades em crimes. Em meio à retórica de proteção das instituições, o que está em jogo é o cotidiano das pessoas — desde crianças separadas por fronteiras até a possibilidade de agentes públicos agirem sem freios. E quem cresce com isso é sempre a direita que sonha com menos Estado e mais mercado.
Repatriação de crianças
Depois de tratar de um recurso tributário, a Corte pode retomar duas ações que questionam pontos da Convenção de Haia de 1980, o acordo que regula o sequestro internacional de crianças. A causa é simples e dolorosa: pais que levam filhos para o exterior sem autorização do outro responsável ou que não os devolvem no prazo combinado. Em muitos casos, há pano de fundo de violência doméstica, e é aí que o Psol entra com uma ação para que o STF fixe entendimento claro: crianças e adolescentes não devem ser obrigados a retornar ao país de origem quando houver indícios de violência contra a mãe.
A pergunta é óbvia — vamos realmente forçar mães e filhos a voltar para um cenário de risco em nome de formalidades jurídicas? Trata-se de decidir entre proteger vidas ou defender uma interpretação burocrática de tratados internacionais. Para uma sociedade que se diz progressista, isso deveria ser simples; para o Estado burocrático e suas velhas manhas, não é.
Lei de Abuso de Autoridade
Em seguida, a Corte pode retomar cinco recursos sobre a Lei de Abuso de Autoridade, sancionada em 2019. A norma define quais condutas de agentes públicos configuram abuso e podem gerar responsabilização. Juízes, promotores, policiais e outros estão no centro dessa disputa: associações dessas categorias alegam que a lei ameaça a independência dos poderes e atrapalha investigações.
“Embora a norma se proponha a ser aplicável aos agentes públicos em geral, a larga maioria dos tipos se referem a condutas privativas de membros da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário”, afirmou a Associação dos Delegados de Polícia Federal. “Essas são importantes e essenciais instituições da democracia brasileira, com previsão constitucional, integrantes do sistema de justiça e que são os principais braços do Estado na investigação, prevenção e responsabilização de crimes que afetam severamente o erário público e a sociedade brasileira”, prossegue a Associação.
Traduzindo: há quem queira que os esforços contra corrupção continuem sem limites — ou sem freios — e quem teme que a lei sirva como proteção para excessos. A Lei de Abuso de Autoridade não é bala de prata contra corrupção — e não pode servir de escudo para impunidade. A disputa não é neutra. A direita aproveita para martelar o discurso de que “investigadores precisam de liberdade”, enquanto operadores políticos tentam garantir que suas ações fiquem fora do escrutínio.
Os pontos em discussão são concretos: efeitos da condenação (indenização, perda de cargo), e punição por atos como condução coercitiva indevida, instauração de investigação sem indícios, negar acesso a processos por advogados, entre outros. Ou seja: o texto busca equilibrar poder e responsabilidade. Difícil acreditar que isso incomode apenas quem quer justiça.
Crimes contra a honra de servidor público
Também volta à pauta a ação que questiona se o aumento de pena no Código Penal para crimes contra a honra cometidos contra servidor público é constitucional. O Progressistas afirma que ampliar essa punição viola a liberdade de expressão e restringe crítica a funcionários públicos. No início do julgamento, o relator Luís Roberto Barroso votou para que o aumento seja aplicado apenas ao crime de calúnia, não à injúria e difamação; André Mendonça acompanhou; Flávio Dino, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes abriram divergência.
O que tudo isso nos diz? Que o STF está no meio de uma tempestade que mistura família, poder e discurso público. Não dá para aceitar que o debate seja apenas técnico quando, na prática, quem perde direitos são os mais fragilizados e quem ganha é a máquina política interessada em manter privilégios. O desafio para quem luta por um projeto popular autêntico é claro: acompanhar de perto, denunciar manipulações e empurrar a batalha para além dos gabinetes — porque não são juízes isolados que farão a revolução, mas a organização popular e um PT comprometido com uma nova etapa de luta anticapitalista que proteja vidas, direitos e o serviço público contra a sanha privatista dos bilionários de sempre.