A articulação entre Centrão e bolsonarismo dá mais um show de proteção mútua: diante do fiasco do motim — com apoiadores de Bolsonaro ocupando as mesas diretoras da Câmara e do Senado por quase dois dias —, a solução que os caciques querem empurrar goela abaixo do país é uma licença prévia para que parlamentares sejam processados criminalmente. Em vez de enfrentar a responsabilização pelos ataques à democracia, a turma prefere mudar as regras para frear investigações. Que surpresa: quando o golpe ameaça, os poderosos correm para blindar os seus.
A avaliação dentro do próprio Centrão é pragmática e cinicamente previsível: alterar o foro privilegiado para tirar processos do Supremo Tribunal Federal (STF) é mais polêmico e pode enfrentar resistência — além de ter potencial para afetar diretamente o andamento do caso que envolve Jair Bolsonaro (PL). Por isso, uma PEC que exija licença prévia da Câmara ou do Senado para abrir investigações contra deputados e senadores aparece como caminho mais curto e com maior chance de aprovação agora. “A licença prévia tem mais chance de aprovar porque encontra menos resistência no Senado”, disse um líder do Centrão ouvido pelo blog.
Não é detalhe técnico: trata-se de tentar paralisar apurações sensíveis. As investigações sobre a tentativa de golpe de Estado e a coação ao Judiciário têm Alexandre de Moraes como relator — e, ainda por cima, Moraes mantém boa relação com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Isso não impede a manobra; ao contrário, facilita acordos de bastidor para estancar a sangria. A expectativa entre esses atores é que a proposta da licença prévia seja votada ainda nesta semana, mesmo sem o texto público — a pressa do Centrão é a clara expressão de quem quer evitar julgamentos, não de quem busca a Justiça.
O que é a licença prévia, que ganhou força no Congresso
Até 2001, a Constituição exigia que a respectiva Casa (Câmara ou Senado) autorizasse, previamente, a instauração de processo criminal contra um parlamentar. Mas a Emenda Constitucional 35, de 2001, mudou isso: hoje, a partir do momento em que a denúncia é recebida e o parlamentar se torna réu, o STF deve apenas comunicar a Casa, que pode, posteriormente, com voto da maioria, suspender o andamento da ação. A proposta em discussão quer restaurar a exigência anterior — e ir além: alguns deputados defendem que a própria abertura da investigação dependa de aval do Congresso. “Deputados querem que a própria abertura da investigação dependa de um aval do Congresso”, informou o Estúdio i.
O que está em jogo é, portanto, o direito da sociedade à responsabilização política e judicial de quem ataca as instituições. O Centrão, claro, faz o seu papel de cartel de interesses, blindando deputados e senadores que têm medo de prestação de contas. A direita radical e o bolsonarismo celebram, porque sabem que uma licença preliminar é um colete salva-vidas institucional para suas figuras mais tóxicas.
Esse movimento é, acima de tudo, político: não se trata de técnica jurídica neutra, mas de uma manobra para frear investigações sobre quem patrocinou e estimulou ações antidemocráticas. E nós, que não nos conformamos com retrocessos, precisamos apontar com clareza: é uma tentativa de proteger criminosos políticos e privatistas, de enterrar a investigação sobre o golpe e de perpetuar privilégios que servem aos bilionários e ao mercado.
O desafio para a esquerda e para os setores democráticos é claro — e urgente. Não basta elogiar Lula como solução eleitoral; é hora de transformar o apoio ao projeto petista em luta social consistente: defender as estatais, combater privatizações, enfrentar os bilionários que financiam esses pactos corruptos e exigir que a Justiça seja livre para atuar. Não aceitaremos que uma manobra parlamentar impeça que os responsáveis pelo ataque à democracia sejam investigados e julgados. Se o Congresso quiser ser cúmplice, encontraremos nas ruas e nas urnas a resposta necessária.