A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal voltou a dar um recado importante — e contraditório — ao país. Por 3 votos a 2, o colegiado decidiu nesta sexta-feira (15) anular todos os atos da Operação Lava Jato contra o ex-ministro Antônio Palocci, seguindo o entendimento de que houve parcialidade do então juiz Sergio Moro e de procuradores da força-tarefa. O voto de desempate saiu das mãos do ministro Nunes Marques, que acompanhou Dias Toffoli e Gilmar Mendes; Edson Fachin e André Mendonça votaram contra a anulação. A decisão reabre feridas que já sangraram o País politicamente e judicialmente — e nos obriga a perguntar: quem lucrou com o espetáculo da “luta contra a corrupção”?
Decisão e contexto político
Toffoli afirmou, na linha do que o Supremo já vinha construindo, que o devido processo legal foi desrespeitado, que houve objetivos pessoais e políticos e até métodos ilegais adotados contra investigados. Não é pouca coisa: estamos falando de uma condenação que teve origem em um arcabouço que, para muitos, transformou a justiça em tribunal de exceção e espetáculo midiático. Palocci foi preso em 2016, acusado de receber propina da Odebrecht, condenado a 18 anos e depois beneficiado por acordo de delação que cortou sua pena pela metade; cumpriu dois anos em regime fechado e, depois, prisão domiciliar. Na delação, afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria conhecimento de esquemas na Petrobras — o PT negou categoricamente as acusações.
A leitura jurídica é necessária; a leitura política é obrigatória. Não dá para separar a ofensiva judicial de 2016 do quadro de destruição de reputações e de golpe jurídico-midiático que ajudou a pavimentar o caminho para o bolsonarismo e suas políticas de desmonte. A Lava Jato foi transformada em arma política, com dedos apontados muito mais para adversários ideológicos do que para a corrupção sistêmica que sustenta o capitalismo brasileiro. A anulação hoje não absolve os atos de corrupção que possam ter ocorrido, mas expõe com clareza que se usaram atalhos e métodos impróprios para se chegar a certas condenações.
É irônico — e revoltante — ver que o voto de desempate tenha vindo de quem foi indicação do bolsonarismo para o Supremo. Nunes Marques, ao alinhar-se com Toffoli e Gilmar Mendes, dá um sinal de que até os instrumentos da direita podem, às vezes, ser usados contra seus próprios criadores. Isso não nos conforta: o problema não é apenas um ministro ou outro, mas todo um aparato que permitiu vazamentos seletivos, espetacularização de processos e coligações entre setores da mídia, parte do Ministério Público e magistratura.
Como militante e jornalista, vejo nesta decisão uma dupla lição: primeiro, que a luta contra a corrupção precisa de regras claras, processos justos e independência real das instituições — não de operação midiática. Segundo, que a direita aproveitou a guerra jurídica para atacar direitos, privatizar estatais e entregar o patrimônio público aos mesmos bilionários que hoje comemoram a banalização da Justiça. Essa vitória jurídica não pode ser confundida com uma vitória política definitiva — o campo democrático precisa reagir.
Ao PT e a Lula cabem responsabilidades e oportunidades. Não são apenas alternativas eleitorais; são atores centrais para articular uma reação que vá além da retomada do poder formal. É preciso transformar a crítica aos abusos judiciais em projeto político de fundo, que defenda estatais, revogue privatizações danosas e ataque a raiz econômica do problema — o capital que lucra com o desmonte do país.
A batalha jurídica é importante, mas não será suficiente. Precisamos desmontar politicamente o bolsonarismo e a rede que o sustentou — e, ao mesmo tempo, avançar na construção de um projeto popular autêntico que coloque o Brasil no rumo da soberania e da justiça social. A anulação dos atos contra Palocci é um passo. Resta seguir na rua, nos parlamentos e nos movimentos, para que o próximo passo seja a reconstrução de instituições verdadeiramente democráticas e a retomada das riquezas do povo que foram entregues aos barões do mercado. Quem pensa que a luta termina no STF está muito enganado — ela está apenas começando.