Jair Bolsonaro deixou a prisão domiciliar para ir a exames médicos em Brasília, num episódio que mistura teatralidade, tentativa de manobra política e uma certeza: não será fácil para a extrema direita escapar das responsabilidades pelo golpe e pelas tramas que o cercam. Enquanto ele passeia entre protocolos médicos e defesas jurídicas, as investigações da Polícia Federal continuam a montar um quebra-cabeça que liga planos de fuga a tentativas de coagir o Supremo — e tudo isso com a habitual mistura de desespero e escárnio de quem foi desmascarado.
O arquivo, a família e as evidências
Os investigadores encontraram, no celular do ex-presidente, um arquivo editável de 33 páginas que pedia asilo de urgência — sem data nem assinatura, mas com metadados apontando para um nome ligado à família Bolsonaro. Segundo o relatório da PF, a criação e a última edição ficaram atribuídas a um usuário identificado como “Fernanda Bolsonaro”, possivelmente Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro, nora do ex-presidente e esposa do senador Flávio Bolsonaro. Não é pouca coisa: indica que as tentativas de construir rotas de fuga vinham de dentro do núcleo íntimo do clã.
“Muita gente mandava muita coisa para ele. Todo tipo de sugestão. Alguém mandou para ele o pedido de asilo em fevereiro de 2024 — podia ter ido, mas não foi. Ele não quis, não estava em prisão domiciliar, nem tinha tornozeleira. Teria condições de se evadir e não se evadiu” — Paulo Cunha Bueno, advogado. A fala do defensor confirma o óbvio: Bolsonaro recebeu ideias para escapar, mas optou por permanecer no país, mesmo com opções. Por quê? Vergonha, estratégia, ou a certeza de que não escaparia da teia que ele mesmo ajudou a urdir?
Os fatos mostram que havia articulação e preparo: o documento de asilo e as comunicações recolhidas pela PF apontam para um planejamento que buscava alternativas para evitar a aplicação da lei penal. A Inteligência da investigação liga essas iniciativas diretamente às apurações sobre a tentativa de golpe de Estado — a famosa Ação Penal 2668, que não trata de picuinhas políticas, mas de crimes que ameaçam o próprio Estado democrático.
Coação ao STF e a rede golpista
No relatório, a PF concluiu que as mensagens e documentos configuram uma estratégia deliberada de coação aos ministros do Supremo Tribunal Federal. As sanções articuladas tinham como alvo justamente as autoridades que julgam a ação penal que investiga organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Ou seja: não se trata apenas de plano de fuga, mas de tentativa de bloquear a justiça por meio de intimidação.
Isso revela a verdadeira face do bolsonarismo: desespero de quem sabe que perdeu manchete e poder. A direita radical e seus financiadores não se importam com a democracia quando ela os barra; preferem traficar saídas pessoais e forjar narrativas para permanecer no poder ou escapar das consequências. Não é surpresa que pastores, aliados e figuras do centrão apareçam no radar das medidas cautelares e buscas da investigação.
A política brasileira vive um momento decisivo. Enquanto a direita tenta se rearticular com táticas rasteiras e planos de fuga, cabe às forças democráticas avançar não só para punir os culpados, mas para transformar esse revés em oportunidade. O projeto petista e as forças populares que o cercam não são apenas uma alternativa eleitoral; são, para nós, uma plataforma para uma nova etapa de luta anticapitalista — por mais estatais, contra privatizações, enfrentando os bilionários que financiam a barbárie.
A impressão final é clara: o bolsonarismo tentou — e alguns membros da família ajudaram — arquitetar saídas que fariam deste episódio mais um episódio de impunidade. Mas os documentos, as metas e as apurações não mentem. Se a direita quer jogo sujo, que então pague o preço político e judicial. E se a esquerda quer ganhar este embate de verdade, precisa transformar cada exposição em organização popular e política capaz de assegurar que democracia não seja palavrório, mas realidade: responsabilização, reformas profundas e resistência firme aos projetos de retrocesso.