A irritação de Davi Alcolumbre com a ala bolsonarista virou um pequeno terremoto no Senado — e para o bem do país. Depois de sofrer pressões explícitas e ameaças políticas que cheiraram a chantagem, o presidente da Casa resolveu dar um basta e tornar mais difícil a vida dos que sonham em enterrar a democracia com mimos legais. O resultado: projetos caros ao bolsonarismo, como a tramitação acelerada da anistia para golpistas e a famigerada PEC da Blindagem, já enfrentam obstruções e vão ter que suar sangue para chegar ao plenário.
Quem manda aqui?
Alcolumbre deixou claro aos líderes, em tom de bronca pública, que não veio ao Senado para ser capacho de grupelhos com agenda particular. “Ao ser eleito, afirmei que o Senado daria prioridade a projetos que atendam a população”, disse Davi Alcolumbre. E foi além: “Darei preferência aos projetos de interesse dos brasileiros e não de grupos específicos”, afirmou ele em reunião com as lideranças. Tradução: se você está pensando em usar o Legislativo para salvar aliados de uma noite de janeiro de 2023, procure outra casa noturna — ou outro parlamento.
A irritação não é gratuita. O senador reagiu à atuação do deputado Eduardo Bolsonaro, que foi aos Estados Unidos pedir sanções contra o Brasil, o STF e parlamentares — uma espécie de “diplomacia do fora-da-lei”. Reagiu também à chantagem do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que ameaçou obstruir votações caso não fosse pautada a anistia a Bolsonaro e cúmplices. Como Alcolumbre lembrou com ironia, Costa Neto não é senador e, portanto, não manda no andamento dos trabalhos da Casa. Convenhamos: se chantagem fosse voto, alguns nomes do Centrão já teriam maioria absoluta — que sorte a deles que a política ainda tem regras.
O gesto prático do presidente do Senado foi mandar a PEC da Blindagem para a Comissão de Constituição e Justiça, em vez de entregá-la de bandeja ao plenário. Traduzindo o jargão: a proposta vai enfrentar debate técnico, questionamentos jurídicos e — pasmem — necessidade de mérito. E quanto ao projeto substituto da anistia? Alcolumbre foi direto: projeto de anistia não passa no Senado. O que ele estaria disposto a negociar é algo menor — redução de penas —, uma tentativa de evitar um presente moral e político àqueles que atentaram contra a República.
E agora, quem governa?
Essa resistência revela algo simples: o Congresso pode ser um antro de oportunistas, mas ainda existe freio institucional. A pergunta que fica é para quem quer guerra cultural e impunidade: vocês realmente acreditavam que comprariam o Senado no atacado e que ninguém notaria? O desgaste público de tentar salvar golpistas só fortalece a agenda das forças democráticas. É momento de radicalizar a mobilização popular, de empurrar para longe os que sonham em reescrever a história com anistias e blindagens.
Como militante socialista, vejo nesta situação duas possibilidades. A primeira, concluída: a direita, com seus caciques e bilionários financiadores, sofre um recuo tático que deve ser aproveitado. A segunda, estratégica: precisamos empurrar Lula e o PT para que usem essa brecha e avancem com políticas que realmente atendam a população — defesa das estatais, combate às privatizações, imposto sobre grandes fortunas e políticas que desmonte as estruturas de poder da elite. Não basta barrar anistias; é preciso transformar o campo democrático com medidas que ataquem as raízes do poder econômico.
Ao final, a novela do Congresso dá um capítulo favorável à República — por ora. Mas a luta segue. A direita não se entrega por decoro; ela tenta comprar às custas de ameaças e chantagens. Cabe aos democratas, à esquerda e à militância popular manter a pressão e transformar a derrota temporária da direita em avanço permanente dos interesses do povo. Afinal, quem teme investigação e punição são aqueles que têm muito a esconder — e a sociedade tem pressa em descobrir.