A recusa tácita do Brasil em conceder o agrément ao indicado de Israel para embaixador em Brasília expõe, mais uma vez, que relações exteriores não se resumem a gestos protocolares quando há decência política em jogo. Israel retirou a indicação de Gali Dagan e anunciou o rebaixamento das relações, mas quem dá as cartas diplomáticas aqui é o país que representa sua população — e não um governo que transformou a barbárie em política externa. O Itamaraty optou por não responder ao pedido formal; uma resposta muda e eloquente contra a tentativa de humilhação sofrida pelo embaixador brasileiro em Tel Aviv.
Por que o agrément foi negado (na prática)
Celso Amorim deixou claro o cerne da questão: não houve um veto formal, mas houve uma reação política consequente à forma como o governo Netanyahu tratou Frederico Meyer. “Não houve veto. Pediram um agreement e não demos. Não respondemos. Eles entenderam e desistiram. Eles humilharam nosso embaixador lá, uma humilhação pública. Depois daquilo, o que eles queriam?” — Celso Amorim. A humilhação teria ocorrido quando o chanceler israelense conduziu o embaixador brasileiro ao Museu do Holocausto para que ele se explicasse sobre declarações do presidente Lula — uma cena que diplomatas brasileiros interpretaram como encenação pública e provocativa.
O assessor presidencial foi ainda mais direto sobre a linha entre crítica ao Estado de Israel e a intolerância à política genocida do governo atual: “Nós queremos ter uma boa relação com Israel. Mas não podemos aceitar um genocídio, que é o que está acontecendo. É uma barbaridade. Nós não somos contra Israel. Somos contra o que o governo Netanyahu está fazendo.” — Celso Amorim. É uma distinção política que incomoda os apoiadores do alinhamento automático com governos autoritários — inclusive os que por aqui se acostumaram a bater continência para qualquer postura beligerante.
O episódio deixa claro que soberania não se curva à humilhação externa. Não se trata de hostilidade gratuita contra Israel, mas de colocar limites a governos que agem com impunidade sob a capa de “segurança nacional”.
O contexto é conhecido: desde a comparação feita por Lula entre a ofensiva israelense em Gaza e os atos nazistas, as relações esfriaram. Israel chegou a declarar o presidente brasileiro persona non grata; em resposta, o Brasil retirou seu embaixador em Tel Aviv em maio de 2024 e não apresentou substituto. A indicação de Dagan veio em janeiro e, diante do silêncio do Itamaraty, foi anulada pelo próprio governo israelense que, claro, resolveu responder com o xingamento diplomático do rebaixamento de relações. Classic show de estardalhaço de quem acha que pode pressionar na base do espetáculo.
Para nós, na Luta Socialista, esse episódio tem outro ângulo político: é absurdo que setores da direita brasileira — aqueles mesmos que idolatraram governos autoritários e privatistas — queiram apresentar-se agora como embaixadores do “bom senso”. Onde estavam quando se davam tapinhas nas costas de governantes que desmontavam estatais e entregavam o país aos bilionários? Hoje a diplomacia brasileira, guiada por um governo que ainda não abandonou sua vocação de proteção aos interesses populares, responde com firmeza quando insultam seu representante. E isso nos inspira.
Enquanto isso, a direita bolsonarista e seus herdeiros carecem de critério: condenam “antissemitismo” seletivo e apoiam regimes que praticam violência em alta escala quando lhes convém politicamente. Hipocrisia? Não apenas isso — uma aliança ideológica com setores autoritários que deve ser desmontada politicamente, sem piedade.
O fim prático dessa história é simples: Gali Dagan não virá a Brasília, Israel prometeu rebaixar o relacionamento, e o Brasil deu um recado claro. A diplomacia não é circo de humilhação; é instrumento de defesa de interesses nacionais e direitos humanos. Se isso significa enfrentar governos ostentando tanques de propaganda e violência, que se saiba: o Brasil, com seus defeitos, está do lado da dignidade. E quem ainda aposta nos barões e nas privatizações para decidir política externa, que acorde!