O Banco Central deu mais um passo para tentar fechar brechas que alimentam fraudes, lavagem de dinheiro e a ação de quadrilhas que já se enraizaram em setores essenciais da economia — como combustíveis — e no próprio sistema financeiro. Em linguagem burocrática, normas mais duras; na prática, uma resposta necessária diante de ataques cibernéticos e das revelações sobre o uso de fintechs e fundos pelos criminosos. Mas será que medidas tecnocráticas bastam para enfrentar a podridão que brota onde o mercado opera sem freio?
O que mudou
O BC aprovou norma que obriga instituições autorizadas a rejeitar transferências destinadas a contas com “fundada suspeita de envolvimento em fraude”. As instituições terão de usar todas as informações disponíveis, inclusive bases públicas e privadas, para avaliar risco, e comunicar os titulares quando houver bloqueio. Essa regra entra em vigor imediatamente, com adaptação dos sistemas até 13 de outubro de 2025. A ideia é clara: criar barreiras tecnológicas e de compliance para reduzir o uso do sistema financeiro por criminosos.
“A medida vale para transações realizadas com qualquer instrumento de pagamento e entra em vigor imediatamente, tendo as instituições que adequarem seus sistemas até 13 de outubro de 2025”, informou o Banco Central.
Além disso, o BC endureceu limites e requisitos: teto de R$ 15 mil para transferências via PIX e TED por instituições de pagamento não autorizadas e por quem se conecta via Prestadores de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTIs); exigência de aprovação prévia do BC para novas entrantes; e comprovação de certificação técnica para operar no sistema. São respostas às falhas que permitiram ataques e desvios bilionários nos últimos meses.
O cenário de ataques e vazamentos
Os casos recentes mostram a gravidade. No começo de setembro, a fintech Monbank relatou um ataque que desviou R$ 4,9 milhões — R$ 4,7 milhões foram recuperados, segundo a empresa. Em setembro também veio à luz o incidente na Sinqia, que conecta bancos ao PIX, com desvios estimados em cerca de R$ 710 milhões. Em julho, a C&M Software, outra peça da infraestrutura, comunicou invasão em sua estrutura tecnológica. Não se trata apenas de falhas técnicas: é a porta aberta para o crime organizado explorar a fragilidade do sistema.
“Faria Lima ou fintechs são as vítimas do crime organizado. Tanto os bancos incumbentes, quanto os novos entrantes no mercado, foram responsáveis por uma inclusão fantástica no sistema financeiro e facilitação de serviços [à população]. Isso é essencial para que o Brasil tenha uma posição privilegiada que tem hoje no sistema financeiro”, disse Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central.
“É um criminoso usando aquilo, não é um banco e nem uma fintech”, acrescentou Galípolo, lembrando que a virtualização dos crimes dificulta a percepção imediata: “Antigamente, quando tinha assalto a um carro forte, ou a um banco, ficava mais evidente porque você via fisicamente. Agora como a coisa ficou virtual, mais opaca, se confunde um pouquinho e leva a esse receio.”
O envolvimento do PCC e o esquema nos combustíveis
A força-tarefa que mirou um esquema bilionário no setor de combustíveis identificou o uso de ao menos 40 fundos de investimento e diversas fintechs para lavar dinheiro, mascarar transações e ocultar patrimônio — esquema atribuído a integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC). A investigação aponta que os criminosos deixaram de pagar mais de R$ 7,6 bilhões em impostos e articularam irregularidades em várias etapas da cadeia de combustíveis. É a prova de que quadrilhas conseguem se infiltrar em cadeias inteiras quando regulação e fiscalização são frágeis.
O BC tenta reagir com regras, limites e monitoramento. Mas não se engane: medidas técnicas enfrentam sintomas. A raiz do problema é política — a financeirização desenfreada, a desregulação e, sim, quem por anos empurrou privatizações e enfraqueceu instrumentos públicos de controle.
As soluções passam por fortalecer estatais, democratizar infraestrutura financeira pública, ampliar a fiscalização e perseguir efeitos e causas: cortar o fluxo que transforma crimes em patrimônio invisível e desmantelar os canais legais que ladrões usam como fachada. Enquanto isso, tentar tapar buracos com normas é necessário, mas insuficiente. Afinal, crime organizado e elites que lucram com a desordem não se intimidam com apenas mais uma circular burocrática!