O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, apareceu no sábado passado (23) entre a multidão do Na Praia Festival em Brasília para assistir ao show de Caetano Veloso às margens do Lago Paranoá. O repertório trouxe clássicos como “Sozinho”, “Alegria, Alegria” e “Não Enche”, e o público ainda teve como atração a performance do pernambucano Lenine. Depois do concerto, o magistrado foi tietado e posou para fotos com fãs do cantor baiano — cena quase cinematográfica de um poder que busca se naturalizar entre aplausos e selfies, enfeitada pela aura da cultura popular que faz de conta que não convive com a arbitrariedade do Judiciário. Barroso, o guardião da corte, posando ao lado de fãs como se fosse uma celebridade qualquer.
Entre música e aparelhos de Estado
É curiosa — e politicamente reveladora — essa combinação de toga e camarim. Enquanto a plateia cantava “Alegria, Alegria”, o presidente do STF caminhava entre flashes e sorrisos, lembrando que o espetáculo não é apenas artístico, mas também uma arena de legitimação social. A presença de ministros em eventos culturais funciona como performance política: humaniza, normaliza, distrai. Ainda que haja beleza na canção de Caetano e respeito ao ofício artístico de Lenine, não podemos perder de vista que as instituições do Estado não flutuam acima das lutas de classe; elas se enraízam em disputas concretas, onde interesses econômicos e políticos buscam naturalizar sua hegemonia.
Barroso ocupa a presidência do STF desde setembro de 2023, e no mês que vem deverá passar o bastão para Edson Fachin, com Alexandre de Moraes assumindo a vice-presidência — cerimônia marcada para 29 de setembro. Mudam os nomes, mas permanece a máquina institucional e seus compromissos com a manutenção da ordem vigente. Não é hora de romantizar ministros que posam com artistas; é hora de olhar como essas instituições atuam quando o jogo político real exige decisões sobre privatizações, direitos sociais e a defesa das estatais. A batalha concreta não se decide em palcos, mas nas votações, nas ações e nas alianças com o grande capital.
A plateia que canta Caetano pode não perceber que, ao mesmo tempo que celebra a cultura popular, há uma parte do aparelho de Estado que protege interesses contrários às demandas populares. A direita, embriagada por seus bilionários e discursos retrógrados, continua a investir na ofensiva contra direitos e contra a soberania nacional — e é isso que devemos enfrentar com clareza e combatividade. Não nos enganemos: fotos com fãs não apagam decisões que comprometem a vida do povo.
Para quem acredita numa saída transformadora, a presença de figuras como Barroso em eventos culturais serve como lembrete: a luta política exige organização independente, consciência de classe e defesa intransigente do que é público. Nós, que lutamos contra o bolsonarismo e todas as suas ramificações, devemos igualmente criticar e pressionar onde o Estado age em favor do mercado e da elite. Apoiar Lula e o PT como centrais de uma nova etapa de luta anticapitalista é também cobrar que governantes e instituições não cedam às chantagens do capital — que defendam estatais, enfrentem privatizações e revertam a transferência de riqueza para os de sempre.
A selfie entre um ministro e um fã parece um gesto inofensivo, mas é também sintoma de uma convivência entre poder e espetáculo que camufla conflitos fundamentais. Se queremos outro país — nacional, soberano e com justiça social — precisamos ampliar nossas vozes nas ruas, nos sindicatos, nas universidades e nas urnas; precisamos disputar não só a cultura, mas o próprio aparelho do Estado. Que o canto de Caetano nos inspire, mas que a música não nos distraia da tarefa histórica: desmontar a direita e construir um projeto popular de poder que não se limite a fotos e boas intenções.