Dias depois de o motim bolsonarista deixar claro para que lado bate o vento na Câmara — e de o presidente Hugo Motta perder a cadeira, mas não a cara — a Casa resolveu bancar a audácia: pautar a famigerada PEC da Blindagem. A proposta, vendida como defesa da “independência” parlamentar, é na verdade um escudo para deputados e senadores que querem continuar impunes diante de investigações, processos e do desgaste público. Quem arrecadou apoio naquela demonstração de força foram os mesmos que aplaudiram o golpismo e hoje pedem “respeito às instituições”. Respeito para quem?
Blindagem: chantagem institucional com cara de normalidade
O presidente da Câmara não esconde a intenção. “É um direito do Congresso e tem o objetivo de dar maior independência à atividade parlamentar”, disse Hugo Motta — e aí está a fórmula: transformar privilégio em princípio democrático. O governo federal, por sua vez, preferiu o covarde teatrinho da neutralidade. “Optamos por não protagonizar esse debate para evitar uma nova crise entre Congresso e STF”, declarou um porta-voz do Planalto — ou seja, abdica-se do combate político para manter a paz de aparências com setores que hoje coafam a Casa para trocar favores.
Para entender por que essa PEC é perigosa, escutamos o cientista político Claudio Couto. “Essa proposta amplia a impunidade política ao criar barreiras que dificultam investigações e processos contra parlamentares, enfraquecendo o sistema de freios e contrapesos e prejudicando toda a sociedade”, avaliou Couto, professor da FGV. Essa não é mera retórica acadêmica: significa menos transparência, menos responsabilização e mais espaço para negociatas e retrocessos.
Não se trata de defender deputados como categoria per se, mas de proteger a população dos que usam o mandato para escapar da justiça. Se a PEC passar, fortaleceremos um Legislativo que age como tumores no corpo democrático — crescendo em privilegiar clientes e ricos, e reduzindo direitos para a maioria.
A pauta tem um componente de revanche: Motta e seus aliados estão pagando a fatura do motim que lhes garantiu apoio, como se um acordo de conivência valesse mais do que a fiscalização sobre quem governa. O adiamento da votação do texto-base só mostra que, apesar da pressa, não há consenso — e isso é bom. A batalha, porém, vai além da Câmara: é uma disputa sobre que tipo de democracia queremos. Será a democracia do balcão de negócios ou a democracia popular que protege serviços públicos, estatais e direitos sociais? Eu sei de que lado estou.
O campo progressista precisa enxergar com clareza: não basta criticar a peça teatral do centro político. É preciso construir uma frente que defenda instituições reais de controle e punição, e que avance na democratização da economia. Lula e o PT têm um papel essencial nesse cenário — não apenas como alternativa eleitoral, mas como vetor de uma nova etapa de luta anticapitalista no Brasil, capaz de enfrentar bilionários e retrocessos que se alimentam dessa blindagem parlamentar.
A mobilização social volta a ser a senha. Sindicatos, movimentos populares, servidores públicos, pesquisadores e a sociedade civil precisam colocar pressão para barrar essa PEC e exigir transparência, investigação e democracia de fato, não privilégios. A hora é de unidade — e de não ceder ao canto da sereia que promete “independência” para políticos enquanto entrega impunidade para corruptos. A política não pode ser salva por acordos entre poderosos; só será transformada se for tomada por quem trabalha, produz e luta.