O governo Lula partiu para o combate diplomático contra o “tarifaço” de Donald Trump na Organização Mundial do Comércio (OMC), mostrando que o Brasil não vai ficar de braços cruzados diante das arbitrariedades do império. À primeira vista, o recurso pode parecer mais simbólico do que efetivo, mas a mensagem política é cristalina: Lula dá o troco nas sanções de Trump e reafirma o papel de protagonista do país no tabuleiro internacional.
Uma arma política e moral
Para especialistas ouvidos, a iniciativa de acionar a OMC carrega peso político e moral, muito mais do que a expectativa de mudanças imediatas na pauta de exportações. “O objetivo do Brasil é fazer valer os princípios e normas do comércio internacional e, simbolicamente, reafirmar a importância da OMC como árbitra global”, afirma Hussein Kalout, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lancaster e conselheiro do Cebri. Ele destaca que as tarifas americanas ferem direitos básicos do comércio e que, ao recorrer ao organismo, o Brasil tenta lembrar o mundo de que é hora de mostrar que o Brasil não se curva ao império.
No campo pragmático, Lula sinaliza que não vai sentar-se à mesa com Trump sem garantias de que haverá avanços concretos. Segundo Kalout, é preciso um “resultado tangível” para que a conversa aconteça. “Há margem para negociar, mas resta saber se os Estados Unidos querem realmente dialogar com o Brasil. Nosso país dá todos os sinais pró-diálogo”, destacou o especialista.
Troca de recados de alto nível
Enquanto o Palácio do Planalto aperta os botões na OMC, o governo articula contatos de bastidores com Washington. O vice-presidente Geraldo Alckmin já falou com o secretário de Comércio americano, Howard Lutnik; o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, busca interlocução com o Tesouro dos EUA, via Scott Bessent; e o chanceler Mauro Vieira teve conversa com o secretário de Estado, Marco Rubio. Essa ofensiva multilinha reforça o recado de que o Brasil não aceita imposições e está pronto para debater em pé de igualdade.
Uma OMC enfraquecida
Mas ninguém ignora que a própria OMC anda combalida. Desde 2019, o órgão de apelação do principal mecanismo de solução de controvérsias está paralisado por um veto estadunidense. “É improvável que esse processo tenha bom termo, pois a OMC está bastante esvaziada, com baixa efetividade”, avalia Amâncio Jorge, professor de Relações Internacionais da USP. E não é para menos: Trump sabotou o tribunal de julgamentos ao barrar a nomeação de juízes, tornando quase nula a capacidade de impor sanções.
Ainda assim, adversários históricos da liberalização a qualquer custo veem mérito na jogada brasileira. Leonardo Paz, cientista político da FGV, lembra que o Brasil já tirou proveito da OMC em casos anteriores, como a vitória de 2004 contra subsídios ao algodão dos EUA. “Apesar de Trump ignorar as regras, a decisão do Brasil de acionar o órgão é acertada para mostrar a resiliência da OMC”, defende.
No fundo, a iniciativa de Lula cumpre dupla função: marcar posição contra o protecionismo americano e empunhar uma bandeira estratégica para futuras negociações. Enquanto a disputa se arrasta no tribunal internacional, o Brasil segue mobilizando aliados afetados pelo tarifaço – são ao menos 40 países alinhados aos argumentos brasileiros na OMC.
O governo assume, assim, uma postura firme: não se trata apenas de combater um aumento de impostos de 50% sobre nossas exportações, mas de desafiar o descompasso entre poder econômico e regras globais. A ofensiva do Brasil na OMC pode até não resultar em decisões céleres, mas serve para ratificar a narrativa de que a soberania nacional não se vende e de que um novo capítulo de resistência anticapitalista está sendo escrito no Planalto.