A cena foi breve, coreografada pelo espetáculo das grandes plateias do poder — e cheia de sinais para quem sabe ler política com clareza de classe. Em Nova York, no intervalo entre discursos na Assembleia-Geral da ONU, Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva trocaram um aperto de mão e algumas palavras. O encontro — descrito como rápido e não planejado — já ganhou contornos de teste diplomático: deve, segundo o governo brasileiro, ser ampliado por telefone ou videoconferência para tratar, entre outros pontos, do tarifaço de 50% imposto pelos EUA aos nossos produtos e das sanções americanas sobre autoridades brasileiras. O ataque tarifário de 50% aos produtos brasileiros não é comércio, é coerção econômica.
O presidente americano fez sua propaganda em tom pessoal e mercantilista: “Ele parece um cara muito legal, ele gosta de mim e eu gostei dele. E eu só faço negócio com gente de quem eu gosto. Quando não gosto deles, eu não faço. Por 39 segundos, nós tivemos uma ótima química e isso é um bom sinal” — Donald Trump. Traduzindo o gist: negócios acima de soberania, simpatia acima de respeito. Não é de hoje que bilionários e oligarcas tentam transformar relações internacionais em leilões de amizades. E, claro, Trump tem histórico de usar tarifas e sanções como instrumentos de pressão política — especialmente contra governos que não se curvam às suas vontades.
A porta-voz americana deixou claro que a logística da conversa caberá a diplomatas: “Normalmente, quando os presidentes concordam em conversar, cabe aos diplomatas organizar todos os detalhes: quando, a que horas, com quem. É assim que funcionam as reuniões de alto nível” — Amanda Robertson, porta-voz do governo americano. No Itamaraty, o tom é de cautela — e com razão. Diplomatas brasileiros têm instrução para preparar o terreno e evitar embaraços públicos. Lembram-se do tratamento humilhante que líderes como Volodymyr Zelenski e Cyril Ramaphosa sofreram em encontros com Trump na Casa Branca? Não é pouca coisa; é lição de que o teatro pessoal do magnata pode esconder insulto diplomático.
Do lado brasileiro, Lula subiu à tribuna da ONU e deixou recado firme: “Nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis” — Luiz Inácio Lula da Silva. Não foi apenas retórica vazia: o tema das sanções e do tarifaço estará na pauta, e é fundamental que um governo que se diz democrático e comprometido com os trabalhadores aja com clareza — não com bajulação. O Brasil não pode aceitar medidas unilaterais que penalizam nossa indústria, nosso emprego e nossa capacidade de desenvolvimento. Não aceitaremos que multinacionais e bilionários de direita decidam o destino do povo brasileiro.
Também não podemos esquecer a hipocrisia de Trump quando defende aliados do autogolpe: no início das sanções, ele colocou-se contra o processo que levou à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro — e que resultou numa sentença pesada por tentativa de golpe. A cumplicidade entre oligarquias externas e forças reacionárias internas precisa ser desnudada e combatida.
Se a conversa realmente ocorrer, será um teste de firmeza e inteligência política. Assembleia de cúpula não substitui mobilização social nem estratégia econômica: Lula e o PT têm a responsabilidade histórica de usar toda a força do Estado para proteger empregos, reforçar estatais e confrontar interesses empresariais que atacam nossas políticas industriais. A diplomacia brasileira deve negociar com firmeza técnica — e a esquerda popular deve pressionar por uma agenda que não se renda ao chantagismo imperialista.
O encontro de 39 segundos pode virar manchete, mas o que importa é o que virá depois: tarifas revertidas? Sanções removidas? Compromissos que defendam nossa soberania econômica? A resposta depende de política com povo organizado, do fortalecimento das estatais e de uma coalizão que não tema enfrentar a direita e seus patrões internacionais. Está na hora de transformar qualquer boa química em defesa concreta dos interesses do Brasil e das classes trabalhadoras.