O governo Lula tenta costurar, na cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), uma resposta firme e coletiva ao movimento de navios de guerra dos Estados Unidos no Caribe — uma resposta que diga, sem rodeios, que a proteção da Amazônia e o combate a crimes na região são responsabilidades dos países amazônicos, não pretexto para carteirada imperial. O encontro acontece em Bogotá, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e reúne Brasil, Colômbia, Bolívia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Enquanto Washington manda seus navios dar espetáculo, o governo brasileiro quer transformar a declamação em diplomacia prática para a COP30, que ocorrerá no Brasil em novembro.
Combate a crimes
O movimento das embarcações americanas — justificadas por Trump como ações contra cartéis de drogas — gerou desconforto nos governos da região, embora as tropas tenham permanecido em águas internacionais. O objetivo principal da cúpula, entretanto, não é uma guerra de palavras contra os EUA: é alinhar posições para a COP30 e reforçar políticas conjuntas contra tráfico de drogas, garimpo ilegal, extração predatória de madeira e outras atrocidades que devoram a Amazônia. A defesa da soberania amazônica exige ação conjunta e rejeição a intervenções estrangeiras disfarçadas de ajuda.
“Os EUA se acham donos do mundo”, reagiu o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, classificando a movimentação como agressão imperialista e denunciando o uso do combate ao tráfico como pretexto para intervenção. A leitura oficial em Brasília é mais cautelosa: não se acredita numa invasão militar, mas reconhece que a presença dos navios alimenta tensões desnecessárias e cria um cenário de intimidação. Por isso, o governo negocia que a declaração final da OTCA destaque a prerrogativa dos países amazônicos de combaterem em conjunto os crimes que ameaçam a floresta e seus povos, sem abrir brechas para aventuras militares externas.
‘Espantalho perfeito’
Nos bastidores, o governo brasileiro tem mantido diálogo com interlocutores norte-americanos para tentar entender as reais intenções por trás do espetáculo bélico. Há, no Planalto, uma leitura clara: o movimento funciona como “um espantalho perfeito” usado por Trump para mandar recados a outros governos da região, de modo a pavimentar politica externa agressiva e simbolicamente reimpor a velha doutrina da força. Fontes do governo também sugerem, com a ironia involuntária do caso, que “Trump almeja o Prêmio Nobel da Paz”, o que justificaria uma pose de mediador global e tornaria improvável uma agressão direta no momento — ainda que proclamações e movimentações navais sirvam para agitar o tabuleiro.
Diante disso, Brasília descarta, por ora, uma crítica unilateral e retumbante a Washington: entende-se que uma manifestação isolada poderia ser interpretada como provocação e inflamar ainda mais a crise diplomática, beneficiando justamente o teatro imperial. A avaliação é pragmática, estratégica — e é aí que o governo Lula mostra a que veio: governar com firmeza, mas sem abrir mão da diplomacia que protege interesses nacionais e populares.
A verdade é clara e urgente: não aceitaremos que a Amazônia seja tratada como playground de frotas estrangeiras ou como pretexto para novas formas de opressão. O desafio é construir respostas regionais fortes, soberanas e sociais — e o campo popular precisa estar à frente. Lula e o PT, para além de serem alternativa eleitoral, podem e devem ser artífices de uma etapa mais profunda de luta anticapitalista no Brasil, fortalecendo estatais, barrando privatizações e enfrentando a fúria dos bilionários e das forças de direita que querem vender nosso futuro. Se Washington pretende usar navios para intimidar, que saiba: nossa resposta será política, solidária entre os povos amazônicos e implacável diante da ingerência imperial.