A pressa da Câmara em pautar na próxima semana o chamado projeto contra a “adultização” de crianças nas redes — depois de semanas de empurra-empurra parlamentar — revela mais do que uma reação a um caso de exposição infantil: evidencia a pressão das ruas e das redes para que o Estado cumpra seu papel de proteger menores diante do mercado digital. O debate ganhou força após o influenciador Felipe Bressanim Pereira, o Felca, denunciar publicamente possíveis práticas de exploração envolvendo o paraibano Hytalo Santos; e a resposta tardia do Parlamento teve de correr para não ficar feio demais diante da opinião pública. Não é só sobre proteção de crianças: é sobre responsabilizar plataformas e desmontar a lógica do lucro que expõe vidas humanas.
O projeto, as movimentações e a pressa
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), reuniu-se com sociedade civil, parlamentares e com o relator deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI) e resolveu acelerar: urgência para o texto na terça (19) e votação do mérito na quarta (20). Antes, o plano era criar um grupo de trabalho para unificar propostas — uma manobra óbvia para empurrar com a barriga por semanas. Quem conhece a política sabe: “grupo de trabalho” muitas vezes significa adiamento. Diante do clamor, Motta mudou a estratégia. Que bom — ainda que seja preciso perguntar: por quanto tempo a pressão popular terá de arrastar essas decisões para frente?
O projeto vem do Senado, assinado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE), já com relatório, e Jadyel Alencar apresentou um novo parecer. Entre as principais medidas estão regras para proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, a responsabilização das plataformas por conteúdos que exponham menores e a obrigação de retirar de imediato conteúdos criminosos, mesmo sem decisão judicial. Estas medidas, se de fato aplicadas, podem frear muitos dos abusos que viralizam em busca de cliques e patrocínio.
“Este é um passo fundamental para proteger nossas crianças e adolescentes dos riscos e crimes que crescem nas redes. Não podemos permitir que a lógica do lucro esteja acima da segurança e da dignidade da infância”, afirmou a deputada Maria do Rosário (PT-RS).
A fala de Maria do Rosário não é discurso piegas: é cobrança firme de quem sempre esteve na trincheira pelos direitos das crianças. E é bom lembrar que, quando a direita moralista clama por “valores da família”, muitas vezes seu interesse real é controlar corpos e ampliar mercado de contenção — mas quando o assunto é responsabilizar plataformas e combater exploração, a direita dos negócios costuma sumir. Hipocrisia com patrocinador é um pecado antigo no Congresso.
O que está em jogo é o futuro de uma geração que cresce digitalmente sem proteção real — e com empresas digitais seguidas por bilionários que lucram com a exposição. Não dá para aceitar soluções simbólicas nem retóricas farsescas. É preciso legislação clara, mecanismos de fiscalização pública e investimento em políticas públicas que dêem às famílias e às escolas condições reais de proteção.
A direita, do bolsonarismo às bancadas de costumes, tende a usar casos como este para aparar arestas eleitorais e atacar pautas progressistas. Cabe à esquerda — e ao PT, que tem lideranças comprometidas com a pauta — transformar essa emergência em política estruturada. Se Lula e o campo democrático-popular querem avançar, precisam pressionar por implementação efetiva, financiamento das medidas e controle público sobre plataformas, não apenas aplausos protocolares.
A votação acelerada é uma vitória da mobilização, mas também um alerta: o Parlamento reage quando queima no noticiário; o desafio é fazê-lo agir preventivamente. Se aprovarem o texto, será hora de fiscalizar aplicação, de garantir recursos e punir omissões. Se falharem, teremos que intensificar a pressão social e política. A infância não pode virar comércio. A lei não pode ser apenas letra morta. E a esquerda tem de transformar indignação em política pública rigorosa e permanente.