A Câmara dos Deputados aprovou um projeto que cria o Sistema Nacional de Educação e institui o chamado Identificador Nacional Único do Estudante — uma espécie de prontuário eletrônico que reunirá toda a trajetória escolar da criança e do jovem. A proposta segue agora para nova análise do Senado, enquanto o governo se prepara para centralizar ainda mais os dados sob a batuta do Ministério da Educação. Parece modernização, mas a pergunta que não querem responder é: para quê e para quem esses dados servirão de fato?
“Isso significa que, se ele mudar de estado, por exemplo, todo o seu histórico educacional irá junto, de forma automática e integrada. Esse prontuário permitirá acompanhar o desempenho, dificuldades e desafios de cada estudante”, disse o deputado Rafael Brito (MDB-AL). O discurso é sedutor — quem não gostaria de um histórico que acompanhe o aluno e auxilie educadores? No papel, há ganhos potenciais: menos perda de informação em transferências, maior controle de fluxo escolar, indicadores nacionais mais consistentes. Mas o diabo mora nos detalhes: quem controla a Infraestrutura Nacional de Dados da Educação? Quem terá acesso? Em que condições? E mais importante: que interesses serão servidos por esse gigantesco repositório?
Dados públicos não são mercadoria
A proposta prevê que a base seja de uso obrigatório por União, estados e municípios e que a União, via Ministério da Educação, administre a nova estrutura. É aqui que acendem todos os alertas. Em um país marcado por tentativas de privatização e por uma direita que sonha em transformar todo serviço público em mercado lucrativo, centralizar dados educacionais é abrir a porta para a mercantilização da infância. Um “prontuário do aluno” nas mãos erradas vira ferramenta de exclusão e de segmentação do mercado escolar.
Não é mera teoria conspiratória: bilionários e empresas de tecnologia já cobiçam informações educativas mundo afora para criar produtos, soluções e, claro, modelos de negócio que privatizam soluções públicas. Com um banco de dados nacional, o risco é que se crie um serviço “essencial” gerido por empresas privadas ou que se permita o uso desses dados para políticas de avaliação que penalizam escolas públicas — reforçando o discurso da gestão por resultados e corte de recursos. A direita que hoje aplaude eficiência se revela nas entrelinhas: o objetivo é fragilizar as estatais, esvaziar a escola pública e abrir espaço para o lucro.
Além do perigo comercial, há questões técnicas e éticas: a segurança desses dados, a possibilidade de vazamentos, o tratamento de informações sensíveis e a própria redução da educação a indicadores. Não podemos transformar a trajetória de uma criança numa planilha que avalia apenas desempenho mensurável. Educação é processo coletivo, político e formador de sujeitos, não um portfólio para ser vendido ao melhor lance.
A nossa tarefa enquanto esquerda é clara: não combater a tecnologia ou negar melhorias administrativas, mas lutar para que qualquer inovação fortaleça a escola pública, a autonomia municipal e a participação democrática. É urgente incluir no debate garantias como anonimização por padrão, proibição expressa de compartilhamento com o setor privado para fins comerciais, controle social por sindicatos, conselhos de educação e movimentos estudantis, e limites claros sobre quais dados serão coletados — sempre o mínimo necessário.
Enquanto isso, não podemos confiar de olhos fechados em uma estrutura que parte de um Congresso permeado por interesses privatistas e por atores empenhados em desmantelar nossas políticas públicas. Lula e o PT têm papel central nessa disputa: se há espaço para transformar uma política pública em ferramenta popular, é por vias como a legislação que proteja a coletividade e por governos que blindem o patrimônio público. Cabe ao movimento popular empurrar por um uso dos dados que amplie direitos, não que facilite a privatização.
O mandato segue para o Senado, e é hora de ocupar as comissões, pressionar parlamentares e fazer do debate sobre o Identificador Nacional do Estudante uma luta pela defesa da escola pública, pela proteção dos dados de crianças e jovens e pela garantia de que a tecnologia sirva ao povo — e não aos lucros das corporações. Quem vigia os vigilantes? Nós, a classe trabalhadora organizada!