A Confederação Nacional da Indústria (CNI) protocolou nesta segunda-feira (18) junto ao Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) um documento em que nega que o Brasil adote práticas “injustificáveis, discriminatórias ou restritivas” ao comércio com os EUA. A peça segue paralela à defesa que o governo brasileiro também prepara — resposta necessária diante de uma investigação aberta em julho pelo governo de Donald Trump para apurar supostas práticas comerciais brasileiras que, segundo Washington, estariam prejudicando empresas norte-americanas. Afora a cortesia diplomática, trata-se de um novo capítulo da guerra comercial e ideológica entre capitais: os industriais nacionais correm para se alinhar com os donos do jogo, enquanto o governo tenta blindar a soberania econômica do país.
Os questionamentos de Washington
Os EUA alegam ter identificado “práticas comerciais desleais” no Brasil, mas, até aqui, não apresentaram provas concretas. Entre os pontos citados pela investigação estão o PIX, o desmatamento e a proteção à propriedade intelectual. Uma audiência pública sobre o tema está marcada para 3 de setembro — data para a qual precisamos estar alertas: o uso da Seção 301 da lei comercial norte-americana tem histórico de servir como instrumento político e sancionatório, mais do que jurídico.
A defesa da CNI e o pacto com os interesses externos
No documento assinado pelo presidente da CNI, Ricardo Alban, a entidade argumenta que não há base jurídica para tarifas adicionais e que “o comércio bilateral entre Brasil e EUA é mutuamente benéfico, com superávit para os Estados Unidos e tarifas baixas”, defendendo que medidas unilaterais enfraquecem a parceria. “Não há base jurídica ou factual para a imposição de tarifas adicionais. O comércio bilateral entre Brasil e EUA é mutuamente benéfico, com superávit para os Estados Unidos e tarifas baixas. Medidas unilaterais enfraquecem essa parceria estratégica”, afirmou Ricardo Alban, presidente da CNI.
É curioso ver o empresariado brasileiro fazendo coro a Washington enquanto bancada do capital esquece que há questões estruturais de soberania e desenvolvimento industrial em jogo. A CNI fala em “parceria estratégica” como se o Brasil fosse filial gentil de interesses estrangeiros e não uma nação com direito a políticas industriais e sociais próprias. Defender empresas e empregos brasileiros passa por resistir a chantagens comerciais e por fortalecer estatais e políticas públicas — não por ajoelhar-se às pressões externas.
Embraer: privilégio e pragmatismo
A Embraer também enviou carta ao governo dos EUA nesta segunda. O presidente da empresa, Francisco Gomes Neto, salienta a presença e os lucros da Embraer nos Estados Unidos e pede que a companhia seja poupada de sobretaxas. “Apenas para dar um exemplo, aproximadamente um terço dos voos de e para Aeroporto Nacional Ronald Reagan, em Washington, são operados por aeronaves comerciais da Embraer”, disse Francisco Gomes Neto, presidente da Embraer. A fabricante foi incluída na lista de exceções à sobretaxa de 50% proposta contra produtos brasileiros — o que, convenhamos, era de se esperar: cortar a Embraer significaria ferir interesses estratégicos americanos também.
“Não seria fácil para os norte-americanos encontrar um novo fabricante tão rápido e que levasse à credibilidade da Embraer”, afirmou um especialista que acompanha o tema, sob reserva. Gomes Neto foi além ao enfatizar o apoio da Embraer à defesa e à inovação nos EUA e lembrar que o Brasil tem, historicamente, acordo de tarifa zero para produtos de aeronaves civis com seus parceiros. “Portanto, usar a Seção 301 para impor tarifas sobre nossos produtos e cadeias de suprimentos seria contrário aos interesses dos EUA”, afirmou o presidente da Embraer.
É um déjà-vu: quando convém, as empresas brasileiras viram “parceiras estratégicas” dos EUA; quando não, são retratadas como vilãs do comércio livre.
Fica claro que Washington usa instrumentos legais como armas geopolíticas e que setores do empresariado brasileiro preferem a acomodação ao confronto político e econômico. Como socialistas e patriotas, não podemos aceitar que a defesa de empregos e tecnologia se transforme em subserviência aos bilionários lá fora. É hora de Lula e do PT avançarem na defesa de uma política industrial autônoma, de fortalecer as estatais e de vincular comércio a cláusulas de desenvolvimento sustentável e proteção dos direitos sociais. A batalha é política: quem protege a indústria nacional — e os trabalhadores — não é o capitão do mercado exterior, é uma política de Estado colocada a serviço do povo, não dos lucros de meia dúzia de acionistas.