A manobra do Congresso que mexe na Lei da Ficha Limpa passou pela aprovação do Senado e foi enviada para o presidente Lula — que agora tem a caneta para sancionar ou vetar essa alteração que, na prática, reduz prazos de inelegibilidade e limitaria a punição a políticos condenados. Não é apenas técnica jurídica; é um teste político: quem ganha com flexibilizar punições em plena crise de desmoralização dos políticos eleitos? A direita, claro, já sorri nos bastidores.
O que é a Lei da Ficha Limpa?
Aprovada em 2010 por iniciativa popular, a Lei da Ficha Limpa foi um marco contra a impunidade: ampliou os motivos que podem tornar alguém inelegível — de cassações por compra de votos a condenações por crimes graves como lavagem de dinheiro, racismo e tortura, além de punições por improbidade administrativa e demissões por processo administrativo. Quem fica enquadrado perde o direito de disputar eleições por, ao menos, oito anos. Na prática, entretanto, esse prazo podia se estender dependendo da situação — por exemplo, somando anos de mandato com os oito anos da lei.
O que mudou na proposta aprovada?
O projeto aprovado pelo Congresso mexe em dois pontos centrais: como o tempo de inelegibilidade é contado e o acúmulo de punições. A mudança passa a impedir que a soma de penalidades ultrapasse o que está previsto em lei, adotando uma contagem que evita prazos maiores que o originalmente previsto de oito anos e propondo um teto máximo de 12 anos. Além disso, se um político já cumpre uma inelegibilidade, a nova regra impede que um novo processo reinicie a contagem — ou seja, menos tempo parado fora das urnas para quem foi punido.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), não fez cerimônia: chegou a sair da presidência da sessão para votar a favor. “A inelegibilidade não pode ser eterna. Está no texto da lei oito anos, não pode ser nove nem vinte. O meu voto é sim”, disse. Traduzindo: a defesa do “prazo certo” veio com o entusiasmo costumeiro de quem sempre olha com carinho para a fisiologia e para as benesses do poder.
O resultado prático: política que deveria punir a impunidade acaba oferecendo atenuantes e limando arestas punitivas justamente quando a sociedade exige mais rigor contra corruptos e extremistas.
Importante lembrar: a proposta não altera a situação do ex-presidente Jair Bolsonaro, que mantém duas inelegibilidades e segue proibido de disputar eleições entre 2022 e 2030. Mas isso não apaga o sinal político: o Congresso sinaliza, mais uma vez, que sabe relaxar regras quando convém ao jogo dos poderosos.
Próximos passos e a responsabilidade de Lula
O projeto já saiu da Câmara e do Senado; agora a palavra é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar o texto, total ou parcialmente. Se vetar, a decisão volta ao Congresso, e deputados e senadores poderão, em sessão conjunta, manter ou derrubar o veto. Ou seja, o Parlamento seguirá tendo a última palavra, caso haja pressão.
Para quem luta por um Estado mais forte, por estatais e por políticas públicas que enfrentem os bilionários e o projeto privatista da direita, este é um momento de atenção: o governo Lula tem a oportunidade de demonstrar que não cederá à lógica do “acordão” que protege privilégios. Será que vai? Vamos cobrar!
O tema vai além de mecanismos técnicos: reflete uma disputa sobre impunidade, moralidade pública e o que aceitaremos como normal na vida política brasileira. A esquerda precisa usar essa janela para empurrar reformas que fortaleçam controles, transparência e punição efetiva contra quem rouba do povo — não para afrouxar regras que beneficiam réus poderosos. Afinal, se a Ficha Limpa é fruto de uma luta popular, não pode ser desmontada por conchavos de gabinetes!