O Congresso Nacional decidiu, nesta quinta-feira (21), transformar o plenário numa capela de louvor ao centenário do Grupo Globo — a mesma empresa que acumulou poder econômico, influência política e uma longa lista de favores com quem manda neste país. A família Marinho sentou-se ao lado de presidentes do Senado e da Câmara para ouvir elogios à sua “responsabilidade” jornalística, enquanto uma exposição festejava a trajetória da empresa que fala com quase todo o Brasil. Que belo teatro da convivência entre o poder econômico e o poder público! A Globo não é apenas um veículo de comunicação: é um formador de consensos, um canhão cultural e um ator político com interesses próprios.
A solenidade e a hipocrisia institucional
Autoridades celebraram a efeméride como se fosse um patrimônio da nação. O requerimento para a solenidade veio de deputados e senadores, e teve a assinatura do ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e do deputado Luiz Fernando Faria (PSD-MG), que enalteceram a capacidade de adaptação do grupo. “Desde a sua criação, a Globo soube se adaptar às demandas de cada época, mantendo sua relevância e qualidade reconhecida nacional e internacionalmente”, disseram os parlamentares.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, foi além: “Esta efeméride pertence à sociedade brasileira que, ao longo de um século, tem encontrado nessas instituições informação, cultura, entretenimento e, sobretudo, cidadania”, proclamou. O presidente da Câmara, Hugo Motta, viu na Globo um agente de integração nacional: “Reconhecer a importância da Rede Globo e do Grupo Globo é reconhecer como a mídia pode moldar culturas, organizar rotinas e, sobretudo, construir pontes numa nação marcada pela adversidade”, defendeu.
Tudo muito bonito, não fosse o fato de que esses mesmos discursos costumam omitir capítulos desconfortáveis da história: concentração de propriedade da mídia, influência sobre eleições e políticas públicas, alinhamento com setores que sempre defenderam os interesses do capital. A comemoração no plenário e a presença da família Marinho — bilionários com negócios e interesses que atravessam o país — mostraram mais uma vez a íntima relação entre política e mídia corporativa.
A exposição montada no Salão Negro do Congresso, aberta até 29 de agosto, reuniu fotos e acervos da própria empresa, num gesto autocelebratório que transformou o Congresso num museu privado. Enquanto isso, recordes de audiência e números de alcance foram apresentados como medalhas: quase 100% do país impactado, dois terços da população atingida semanalmente, dezenas de milhões de leitores e seguidores. É o poder bruto da narrativa concentrada em poucas mãos.
Memória, tecnologia e disputa pelo futuro
A reportagem oficial lembra marcos técnicos e de programação: da transmissão da chegada do homem à Lua em 1969 às inovações em 4K, 8K e IA. A TV Globo se prepara agora para a tal “TV 3.0”. Mas tecnologia, por si só, não equivale a serviço público. Ter plataformas avançadas e alcance massivo não tira a necessidade de democratizar a comunicação e combater a concentração da mídia.
Para quem acredita numa transformação profunda — e eu acredito que Lula e o PT podem ser centrais nessa nova fase de luta anticapitalista — a pergunta é clara: vamos aceitar que o Congresso vire palco de reverência à mídia oligárquica, ou vamos promover políticas que democratizem a comunicação? É urgente avançar em regulação antimonopólio, financiamento público para mídia comunitária e fortalecimento das emissoras estatais e públicas que garantam pluralidade.
O centenário da Globo pode até ser celebrado por alguns como um marco cultural e tecnológico. Para nós, é um lembrete do que está em jogo: a luta pela informação livre, pela soberania cultural e pela soberania da democracia perante o poder econômico. Não basta cortar fitas e exibir painéis no Salão Negro; é preciso desmantelar privilégios, enfrentar bilionários-midiáticos e construir uma comunicação a serviço do povo. Afinal, quem comanda a narrativa comanda o país — e isso precisa mudar!